O clima de uma determinada região influência de forma sistemática a evolução do seu ambiente físico nomeadamente no regime hidrológico, nos solos e na vegetação. A intervenção antrópica, cada vez mais marcante, provoca alterações nos processos erosivos regionais em função das litologias presentes e do modelado provocando alterações nos distintos sistemas morfogenéticos herdados. As variações climáticas e estruturais ao longo do tempo geológico influenciaram a natureza e o ritmo dos processos geomorfológicos. Hoje são os nossos vários tipos de intervenção sobre a paisagem e a ocorrência de situações extremas nos parâmetros climáticos e eventualmente na neotectónica a marcar a localização e a alterar o ritmo desses processos.
Na região em apreço ocorrem formas de relevo originais cujas paisagens geomorfológicas são características e que devem merecer particular atenção.
Embora o Buraco Roto e a sua envolvente sejam o foco central do nosso trabalho é importante enquadrá-los num espaço mais abrangente nomeadamente em termos do meio ambiente. A região situa-se numa zona com clima do tipo ambiental mediterrâneo mas sob forte influência do Oceano Atlântico. O efeito orográfico do bordo do Planalto potência quer a precipitação no inverno quer a ocorrência de orvalhadas noturnas na primavera e outono sobre a vegetação em geral e fundamentalmente sobre as culturas de sequeiro nos campos mais aplanados a oriente.
A análise da precipitação e temperatura para a região reporta-se assim a uma área mais vasta por forma a abranger uma maior área do MCE (parte Norte – Bacias subterrâneas dos Rios Lena e Lis). Os dados foram recolhidos online no Sistema Nacional de Recursos Hídricos (SNRH).
Mapa nº 2 – Precipitação média anual na parte Norte do Maciço Calcário Estremenho. A vermelho as nascentes do Lena e do Lis.
A amarelo o Buraco Roto. Fonte do mapa: SNIRH. Adaptado de ASCENSO 2011.
Globalmente o MCE é um dos mais importantes aquíferos do país com uma área total de 767,6 Km2. ALMEIDA et al (2000) admitem uma recarga de 300 a 350 hm3 ano. Para outros autores os valores são relativamente superiores, CRISPIM e MONTEIRO (1999) avaliam em cerca de 500 Mm3 o armazenamento hídrico subterrâneo do MCE considerando em cerca de 50% o valor da precipitação que se infiltra. A taxa de evapotranspiração calculada para o MCE é de 600 a 700 mm. Dada a dificuldade de deteção dos locais subterrâneos de armazenamento hídrico substancial no MCE (há exceções) as captações são, em geral, efetuadas próximo ou nas nascentes periféricas.
Estes aquíferos subterrâneos são extremamente vulneráveis à poluição já que o processo de recarga pode ser muito rápido e intenso.
Os principais episódios de precipitação extrema registados nos últimos anos na estação da Batalha são: 06/01/2001 – 587 mm, 08/02/2001 – 740,9 mm, 19/01/2003 – 371,1 mm, e 08/12/2006 – 474,2 mm (os valores reportam-se à acumulação durante vários dias/meses consecutivos).
Na estação de Crespos localizada no concelho mas a maior altitude já no interior do Planalto de S. Mamede as precipitações são sempre mais intensas como se pode constatar pelo Quadro nº 1.
Quadro nº 1 – Gráfico pluviométrico de Batalha e Crespos (1980/2009). Precipitações médias mensais (ASCENSO 2011)
As temperaturas médias mensais variam entre 20º e 10º. Também aqui se observam situações extremas como por exemplo uma média mensal em Fevereiro de 2005 de 6o e, em Agosto de 2003 uma média mensal de 22,5o (dados da estação da Batalha). À importante exposição solar da escarpa de falha do Reguengo do Fetal não corresponde atualmente um grande efeito de termoclastia devido ao abundante coberto vegetal que cobre a zona (no Verão as temperaturas máximas podem atingir pontualmente os 40º C). No entanto, nos abruptos de rocha exposta e, em especial nas cornijas que coroam alguns cabeços, esse efeito tem potenciado a desagregação mecânica da rocha. São ainda assinaláveis os nevoeiros litorais de advecção e os nevoeiros mistos das baixas atlânticas (DAVEAU 1985). As vertentes, dependendo da situação geográfica, podem ficar sujeitas também a frequentes dias nebulosos nem sempre chuvosos.
Apesar da Estratigrafia não ser uma das áreas relevantes no contexto geral deste trabalho ela torna-se, no entanto, importante como elemento de sequenciação temporal quer cronostratigráfico quer litostratigráfico. Assim optamos por apresentar apenas um quadro de sistematização geral referente ao Maciço Calcário Estremenho. As formações e unidades litostratigráficas aflorantes, na área em estudo, e as suas respetivas litologias serão objeto de uma pequena descrição posterior.
Quadro nº 2 – Litostratigrafia do MCE
A extraordinária evolução do relevo quer no que respeita ao vigor quer na diversidade das formas que se observam nesta parte do território da freguesia de Reguengo do Fetal deve-se não só aos acidentes tectónicos presentes mas também à diversidade litológica existente e ao tipo de contacto entre as diversas formações. A tectónica pôs em contacto rochas de resistência desigual aos fenómenos de erosão e/ou corrosão química.
Os calcários micríticos de Serra de Aire (J3SA) constituem uma faixa estreita que se prolonga para Sul desde a parte SE da povoação. São limitados a W pela falha de Reguengo do Fetal junto à base da escarpa e chegando a Este quase ao topo (350m) do Cabeço do Poio. É nesta formação que se desenvolveu a parte mais declivosa da “garganta seca” referida anteriormente. São calcários duros e compactos mas bastante fraturados.
Foto nº 3 – A Serra da Murada e a escarpa de falha de Reguengo do Fetal para Sul (calcários oolíticos no topo dos cabeços,
micríticos na escarpa de falha e na base, na margem do Vale da Moita Longa, as camadas de Alcobaça. (Foto: Pedro Pinto)
Os calcários oolíticos de Reguengo do Fetal (J2RF) são uma unidade lenticular no seio dos calcários micríticos da Serra de Aire biselando de Este para Oeste. Constituem, nesta área uma mancha alongada de orientação N-S. Na zona em apreço afloram próximo do v. g. do Caramulo e prolongam-se para Sul. São calcários oolíticos com peloides apresentando também bioclastos correspondentes a gastrópodes, lamelibrânquios, coraliários e equinodermes. O contacto com as camadas de Montejunto (J3CM) a NW é feito por falha e a W, com o retalho Cretácico, pela Falha de Reguengo do Fetal. Mais a Sul prolongam-se para lá do Cabeço do Poio e da Serra da Andorinha sobrepondo-se aos calcários micríticos de Serra de Aire. Nesta zona apresentam uma menor espessura (30 a 40m). O suave Vale da Quebrada atravessa toda a formação dando origem ao Vale do Malhadouro (já parcialmente nos calcários micríticos) que se desenvolve entre o v.g.d. do Rebelo e o Cabeço do Poio (400m) e ao vale fluvio-cársico que se desenvolve para Este.
Foto nº 4 – Pedreira sobranceira à povoação do Reguengo do Fetal em calcários oolíticos. (Foto: Pedro Pinto)
Na serra da Barrozinha o contacto das camadas de Montejunto (J3CM) é totalmente feito por falhas: a oriente pela falha do Reguengo do Fetal com os calcários oolíticos e a ocidente por uma falha com orientação NW-SE até ao lugar da Torre sendo aqui o contacto com os calcários margosos e margas das camadas de Alcobaça (J2AL). Nesta zona (lugar da Torre) uma falha com orientação W-E individualiza a Serra da Barrozinha, prolongando-se a formação para o lado Norte da falha.
As Camadas de Alcobaça (J2AL) afloram numa faixa alongada com orientação NNW-SSE apresentando, a oriente, os contactos já descritos e a ocidente são suprajacentes às camadas de Montejunto. Um corte litológico descrito na Noticia Explicativa da Carta Geológica 27-A de Vila Nova de Ourém realizado em Chão Preto (2km a Este da Batalha) refere a seguinte sucessão: margas, margas cinzentas, arenitos com fosseis marinhos e lacustres, margas xistosas cinzentas e margas cinzentas e avermelhadas.
Na parte oriental da povoação do Reguengo do Fetal sobrepõem-se, sobre estes sedimentos jurássicos e, em descontinuidade, sedimentos do cretácico inferior. Os conglomerados de Caranguejeira (C2-3CA) são um pequeno afloramento composto por arenitos grosseiros com tendência conglomerática cujo contacto a oriente é cortado pela falha do Reguengo do Fetal. Uma amostra, por nós recolhida no local, revelou um arenito fino e esbranquiçado (caulinite) com algum areão e pequenos seixos de quartzo (até 8 mm).
A existência de pequenos retalhos do Cretácico inferior nesta zona (povoação de Reguengo do Fetal e lugar da Torre, um pouco mais a Norte) tem na notícia explicativa da folha 27-A – Vila Nova de Ourém, na pág. 103 a seguinte descrição: «No caso concreto da Falha Reguengo do Fetal, o facto de o Cretácico inferior assentar diferencialmente sobre diferentes unidades litoestratigráficas do Jurássico superior, a teto desta falha, sugere a existência duma estruturação tectónica anterior à deposição do Cretácico inferior, ou seja, atividade da Falha Reguengo do Fetal durante o Jurássico superior. A Norte, este acidente prolonga-se para a área abrangida pela Carta de Leiria (23-C) onde surge coberto discordante pelos depósitos do Cretácico inferior, o que constitui outra evidência para a sua atividade durante o Jurássico superior. A atividade extensional da Falha de Reguengo do Fetal prolonga-se ainda após o Aptiano-Albiano, pois corta-o na zona da povoação com o mesmo nome».
LEGENDA:
a - Aluviões – Holocénico;
C2-3CA – Conglomerados de Caranguejeira – Aptiano - Albiano;
J3AL – Camadas de Alcobaça – Kimeridgiano;
J3CM – Camadas de Montejunto – Oxfordiano;
J2RF – Calcários oolíticos de Reguengo do Fetal – Batoniano;
J2SA – Calcários micríticos de Serra de Aire – Batoniano.
Mapa nº 3 – Excerto da carta geológica folha 27-A de Vila Nova de Ourém. Instituto Geográfico e Mineiro.
Neste caso o falhamento do Aptiano-Albiano pela falha de Reguengo do Fetal corresponde a uma separação vertical de aproximadamente 100m (MANUPELLA et al., 2000).
As aluviões (a) datadas do Holocénico encontram-se ao longo da bacia do Vale da Quebrada preenchendo os fundos dos vales e são geralmente associadas à dissolução do carbonato de cálcio das formações carbonatadas com retenção dos elementos insolúveis (argilas). Na sua composição ocorrem também sedimentos (siliciclastos) exteriores ao carso. A ligeira depressão entre a Serra da Andorinha e o Cabeço dos Picareiros apresenta composição semelhante. A terra rossa ocorre ainda atapetando o fundo das depressões fechadas e devido à sua composição maioritariamente argilosa apresenta reduzida permeabilidade.