Enquadramento do Buraco Roto - Parte 2 de 4

 

O resultado do contínuo trabalho de uma das mais velhas escultoras da pedra - A água

2 - Enquadramento Geomorfológico

2.1 - Evolução geomorfológica

A povoação de Reguengo do Fetal localiza-se na base do bordo NW do MCE e apresenta na sua envolvente vários locais de elevado valor paisagístico.

Nos principais maciços calcários portugueses, o processo cársico conduziu à elaboração de formas e paisagens sui generis, hoje consideradas de elevado valor patrimonial; é um processo longo e complexo em que o quaternário apenas representa uma porção muito reduzida de tempo evolutivo (CUNHA, L. 1999).

 

Apesar disso, as formas mais espetaculares, aquelas que detêm um inegável valor patrimonial e que frequentemente correspondem à imagem mais conhecida destes maciços têm a marca indelével dos processos fluviocársicos e cársicos desenvolvidos já no quaternário (ob. cit.).

 

Ao quaternário parece ter ficado reservado essencialmente o papel de exumação de paleoformas, algumas pré-cretácicas, outras terciárias, geradas consequentemente em condições paleogeográficas e paleo-ambientais bem diversas das atuais, ao mesmo tempo que se ia processando um retoque cársico nas superfícies calcárias entretanto postas a descoberto (CUNHA, L. e SOARES, A. F. 1987).

 

Nas imediações do Reguengo do Fetal são a exsurgência do Buraco Roto com a respetiva envolvente e o modelado das vertentes do Vale do Malhadouro, parte terminal do Vale da Quebrada, os locais com maior interesse paisagístico. É ainda relevante, pelo seu vigor e retoque geomorfológico todo o alinhamento da escarpa de falha, em especial no seu desenvolvimento para Sul da povoação principalmente a partir do Vale dos Ventos e prolongamento da escarpa mais para Sul. Cornijas calcárias coroam os cabeços que enquadram os vales suspensos pela escarpa de falha dando ao conjunto um aspeto invulgar. Com menor visibilidade paisagística mas também merecedoras de destaque geomorfológico pelo seu processo evolutivo são as amplas e muito recortadas depressões cársicas a Sul e sudeste da Serra da Andorinha.

 

Figura Nº 2.1 - Ampla e recortada depressão a Sul da serra da Andorinha. (Foto: Fernando Pires)

2.2 - Pequena abordagem paleoclimática da região

A importância dos paleoclimas na evolução superficial de algumas zonas marginais do bordo ocidental do MCE tem sido objeto de vários estudos e trabalhos focados fundamentalmente no período desde o início do quaternário. As características geomorfológicas herdadas de um paleoclima anterior observadas no Vale da Quebrada e para Sul deste são classificadas pela SPE (2006) de primordial importância visto que: "Não só a forma mas também aquele padrão de distribuição das depressões cársicas nesta área do Planalto de S. Mamede são assimiláveis ao que ocorre em regiões tropicais húmidas e podem por isso ser tidas como um testemunho (raro na Europa) da morfologia cársica herdada de um paleoclima deste tipo, provavelmente acentuada pela longa evolução criptocársica sob a cobertura detrítica do cretácico. É nesta área do Planalto de S. Mamede que o balanço entre o máximo de erosão da cobertura detrítica e o mínimo de erosão dos calcários subjacentes foi o ideal para revelar este tipo de morfologia".

 

A interpretação do processo evolutivo dos níveis do Planalto de S. Mamede, nomeadamente no nível do patim é incluído por MARTINS (1949) (pág. 116) nas superfícies de erosão terciárias e tem a seguinte descrição: "Ora tais características provam antes que se trata de um degrau de erosão, e, portanto, é legítimo aceitar que não estamos em presença de duas secções de uma mesma superfície planáltica deslocada por falha, mas perante dois níveis de erosão, separados por um outro intermédio - o do patim -. E se atendermos que o vale seco da Barreira de Água, insinuado no patim, estende para o interior deste o nível da plataforma de Fátima, impõe-se admitir que se trata efetivamente de níveis correspondentes a ciclos sucessivos. Já, porém, o facto de esse mesmo vale, por si e seus afluentes, e outros valeiros secos se insinuarem também - precariamente é certo - no nível mais alto - o das Pias -, significa apenas que ciclos determinados de uma nova rede hidrográfica avançaram a destroçar uma superfície anterior".

 

O mesmo autor indica (ob. cit.: 118), sobre o estudo dos depósitos correlativos da evolução das vertentes ao longo destas ou em diferentes compartimentos, que a sua proveniência resulta do transporte por águas correntes vindas do Maciço Antigo (texto integral já referido neste trabalho em 1.5.1 a)). E em nota de pé de página (p. 119) refere: "Por certo o agente do transporte foram cursos torrenciais, bem próprios de um país sujeito ao clima árido do Oligoceno, idade provável das aluviões; o regime torrencial dos rios denuncia-se na má calibragem do material. Acrescente-se que a área do Maciço devia então corresponder provavelmente a uma região baixa, talvez deltaica, na qual os rios, ou os braços destes divagavam.". Estes depósitos estiveram sujeitos a transformações ao longo do tempo geológico trabalhados pela erosão e/ou perturbações tectónicas locais. Ao longo desse tempo geológico houve mudanças climáticas importantes que foram responsáveis pela mobilização de diferentes materiais. O ritmo de congelação/degelo nas regiões periglaciares é o melhor exemplo da relação entre um processo fundamentalmente climático e os processos de crioclastia associados.

 

Para além das ações da crioclastia ou gelifração verificadas nos períodos frios do Quaternário, que são fenómenos relevantes na atuação da água gelada e seu degelo sobre a rocha calcária e que estão bem representadas nos depósitos localizados na Fórnea (junto à depressão de Alvados) ou no Polje de Minde (ver, por exemplo, RODRIGUES, 1991) consideramos também importante o volume das deposições de neve e gelo nas amplas zonas planálticas do Planalto de S. Mamede. O degelo sazonal constituiria uma importante fonte de água que iria atuar de forma diversificada sobre as superfícies pouco inclinadas da rocha calcária e respetivas coberturas detríticas. Seriam geralmente os topos dos cabeços os locais a ficarem mais rapidamente expostos. Ao longo do alargamento das zonas expostas as águas, do degelo e pluviais, que não se infiltrassem de imediato poderiam dar origem a diferentes modalidades de escorrência (difusa ou concentrada) que acabariam por afetar áreas relativamente deprimidas (sul da Serra da Andorinha) ou aos talvegues de vales cobertos por neve ou gelo mais espesso (a norte dessa Serra). A cobertura detrítica dificultaria a sua infiltração pelo que as acumulações de água acabariam, devido à estruturação do relevo, por alcançar os pontos mais baixos ao longo do alinhamento do topo da escarpa de Falha do Reguengo do Fetal por onde se escoariam constituindo, pontualmente, torrentes impetuosas.

 

Durante o Ultimo Máximo Glaciário (UMG) associado por Dias (2004), para Portugal, a cerca de 18 000 BP (BP - "antes do presente" tendo sido convencionado o ano de 1950 como o presente), a frente polar, na altura, localizava-se à latitude do Norte de Portugal (ver por exemplo: McIntyre, 1973). Com efeito a maioria dos autores concorda em atribuir ao UMG um mínimo da temperatura média global da ordem dos 4 a 5º mais baixo que o atual e um máximo de retenção de água sob a forma de gelo nas regiões circumpolares e nas regiões de montanha (FREITAS, 2009). Na faixa atlântica vigoraria um ambiente frio, com ventos fortes, neve e nebulosidade elevada, com estações chuvosas mais longas que as atuais, e períodos de maior precipitação na Primavera e Outono (Daveau, 1980, Dias, 2004: 159). " A erosão flúvio-glaciária, a fusão estival dos gelos e as pluviosidades primaveris conferiam aos rios caudais hídricos que provocavam o transporte de grandes cargas sólidas, em que a quantidade de materiais grosseiros era elevada " (Dias 1987 in 2004; 159).

 

Estas referências reportam-se aos rios em formações mais impermeáveis e brandas entre o rebordo ocidental do Planalto de S. Mamede e o mar. Nos calcários do Dogger a oriente da falha de Reguengo do Fetal seria o aumento da capacidade de dissolução dos calcários, pela lenta fusão estival, o aspeto mais relevante e paralelamente o transporte de pequenos clastos como carga de fundo em zonas de maior declive bem como dos materiais da cobertura siliciclástica de proveniência exterior ao maciço que seriam deslocados ao longo das suaves encostas e se acumulariam nas zonas de cota mais baixa. Sempre que os ocos no calcário permitissem a infiltração da água em profundidade o transporte, nesses locais, seria por gravidade. Numa fase mais evoluída e nas zonas planálticas com rocha nua aflorante, como na vertente Oeste do v.g.d. do Rebelo, a quantidade da infiltração das águas do degelo seria bastante próxima do total da neve e gelo depositados sobre essas superfícies (fraca evapotranspiração e sublimação).


 

2.3 - Algumas observações da morfologia cársica superficial

Apesar de não ter sido ainda completada a prospeção superficial sistemática da Serra da Barrozinha, cabeço do v.g.d. de Pia e cabeço do v.g.d. do Reguengo por ser extremamente difícil devido ao denso coberto vegetal podemos no entanto referir algumas das formas típicas do modelado cársico superficial que foram observadas e que parecem ser de um modo geral as mais representativas e características desta parte da envolvente do Buraco Roto a Norte do Vale da Quebrada. Reportam-se ainda algumas outras formas interessantes distribuídas pela freguesia e em locais próximos.

Lapiás

Todos os campos de lapiás, até agora observados, são de dimensões visíveis reduzidas (abundante coberto vegetal) podendo apresentar variações de forma e tipo de cobertura em espaços pouco distantes uns dos outros não permitindo uma caracterização genética conclusiva. Por outro lado existem espaços consideráveis onde as formas superficiais se encontram parcialmente cobertas ou mesmo enterradas.

 

De acordo com RODRIGUES (2012) a metodologia da classificação das formas lapiares deveria apresentar como critério fundamental os processos que estão na sua génese acrescentando-se o tipo de cobertura e a forma de acordo com o quadro que se segue:

 

TIPOLOGIA

DAS FORMAS

Tipo de cobertura:

- enterrados

- semi-enterrados

- nus

Processos

Dissolução

Química

Bioquímica

Erosão

hídrica

Escorrência superficial

Escorrência subsuperficial

Figura Nº 2.2 - Classificação das formas lapiares (RODRIGUES, 2012)

 

  

Figura Nº 2.3 - A) Lapiás de dissolução intensa com sulcos de profundidade quase métrica.

B) Lapiás coberto com visivel preenchimento da fraturação existente nas bancadas.

C) Intensa fragmentação superficial possívelmente por gelifração.

D) Fragmentação superficial menos evoluida e lapiás parcialmente coberto.

E) Lapiás completamente coberto.

F) "Kammenitzas" alvéolos de dissolução superficial (Fotos: Raul Pedro)

Na vertente Oeste do v.g.d. do Rebelo observam-se à superfície, alinhamentos de calcários enquadráveis na tipologia de lapiás de agulha parcialmente enterrados que correspondem ao afloramento dos calcários entre as descontinuidades verticais paralelas e associadas à falha de desligamento que será descrita mais adiante.

 

Figura Nº 2.4 - Lapiás de agulha parcialmente enterrado. (Foto: Raul Pedro)

 

Ainda de acordo com RODRIGUES (2012) reporta-se um lapiás de caneluras e uma outra forma complexa resultante de forte ação de dissolução.

 

 

Figura Nº 2.5 - Lapiás de canelura e forma lapiar complexa em contexto de lapiás de agulhas. (Fotos: Raul Pedro)

Os campos de lapiás são certamente muito mais extensos e estarão dispostos ao longo dos setores mais suaves das encostas dos cabeços que circundam as recortadas depressões cársicas. Para lá dos abruptos vigorosos da escarpa de falha e do encaixe dos vales suspensos a suave harmonia deste relevo ondulado (a sul do Vale da Quebrada) só é alterado pelas cornijas que coroam a maioria dos cabeços evidenciando o nível de aplanamento do Patim pela similaridade das suas altitudes.

Cornijas

As cornijas calcárias mais representativas localizam-se no topo do rebordo da escarpa de falha de Reguengo do Fetal a Sul do Vale da Quebrada e nos cabeços próximos, a oriente da escarpa (Figura nº 2.6). O limite oriental das cornijas é a linha que une a Serra da Andorinha e o cabeço da Murada (incluído). Estas cornijas estão talhadas nos calcários oolíticos do Batoniano.

 

Figura nª 2.6 - Cornijas calcárias coroando os cabeços e, nos topos e encostas destes cabeços
os campos de lapiás parcialmente disfarçados pelo coberto vegetal. Imagem do Google Earth de 2005.

 

Têm geralmente um desenvolvimento bastante alongado apresentando esporadicamente ao longo do seu traçado locais com aspeto ruiniforme (quase sempre nas vertentes SW dos cabeços) ou, pontos mais conservados de desenvolvimento vertical mais expressivo (em geral nas vertentes NW dos cabeços). Estas últimas cornijas situam-se em geral no topo da escarpa de falha sendo apenas interrompidas pelo recorte dos vales suspensos ou de depressões ligeiramente entalhadas no rebordo da escarpa de falha. Algumas cornijas contornam parcialmente o topo dos cabeços apresentando bastante continuidade. No conjunto de todas as cornijas observam-se diferentes estádios de evolução, bastante semelhantes entre si:

 

a) Uma cornija principal, por ser a de maior desnível vertical e de maior desenvolvimento, situada a cotas próximas dos 430 metros nos cabeços mais interiores e próxima dos 400 metros no topo do rebordo da escarpa de falha a Sul do Vale dos Ventos.

 

b) Cornijas superiores (mais elevadas que a cornija principal) que formam bandas pouco expressivas de rebordos rochosos, em geral paralelos à cornija principal sendo a sua continuidade interrompida por zonas ruiniformes.

 

c) Cornijas inferiores (mais baixas que a cornija principal) de menor extensão nos cabeços do interior e mais extensas na vertente da escarpa de falha onde podem aparecer pequenos rebordos rochosos escalonados em altitude.

 

Figura nº 2.7 - Parte da cornija principal do Cabeço da Murada virada a NE. (Foto: Fernando Pires)

 

Um elemento comum a todas elas é a existência de partes que se assemelham a esporões provavelmente controlados estruturalmente por descontinuidade vertical. Este controlo é destacado pelo alinhamento desses esporões nas várias cornijas acima ou abaixo da cornija principal. São mais evidentes nos setores das cornijas principais expostos a N ou NW.

 

O aspeto típico deste modelado superficial estará fundamentalmente relacionado com a evolução quaternária das vertentes em que se desenvolvem. A desagregação mecânica dos rebordos mais ou menos verticais de rocha exposta, auxiliada por processos de dissolução, contribuirá para os desabamentos rochosos que os modelam e para os tapetes de clastos que juncam a sua base.

 

Dolinas

Na prospeção superficial, até agora realizada, nesta freguesia não foram observadas verdadeiras dolinas embora existam alguns locais relativamente aplanados que sofreram evidente ação antrópica quer na despedrega do solo quer na elevação artificial do bordo mais declivoso.

 

Figura Nº 2.8 - Zona aplanada próximo do topo da Serra da Barrozinha. A ação antrópica reduziu a inclinação
e a despedrega criou amplos rebordos laterais de clastos desorganizados. (Foto: Fernando Pires)

Estes espaços são meros aproveitamentos dos ligeiros declives junto ao topo nos cabeços mais aplanados ou entre cabeços ou ainda suaves rebordos alongados no início de encostas, em geral aproveitando as cabeceiras menos declivosas do topo de valeiros.

Figura Nº 2.9 - Aproveitamento do suave declive entre o topo dos cabeços para agricultura de sequeiro. (Foto: Raul Pedro)

Figura Nº 2.10 - Rebordo alongado na vertente a Sul da linha de água entre o v.g. do Caramulo
e o v.g.d. do Reguengo perto do topo do valeiro. A ação antrópica é também percetível mas de interpretação
mais complexa (aparente deslizamento de terras de zona superior). (Foto: Raul Pedro)

Em alguns locais, nas zonas marginais na envolvente da grande e recortada depressão entre a Serra da Andorinha, Cabeços da Murada e Picareiros, podemos encontrar, por vezes, zonas onde se pode observar um pequeno rebaixamento (a ação antrópica parece ter interferido com este tipo de evolução). Apresentam uma localização ligeiramente elevada em relação ao fundo da depressão que é evidenciada por um socalco.

 

Muito próximo do limite Sul da Freguesia de Reguengo do Fetal entre os cabeços da Murada e dos Picareiros localiza-se uma grande zona aplanada que poderemos considerar como uma verdadeira dolina (figura nº 2.11).

Figura nº 2.11 - Ampla dolina em concha no limite Sul da freguesia. (Foto: Fernando Pires)

No limite Este da freguesia e prolongando-se predominantemente para a Freguesia de S. Mamede encontra-se uma outra ampla área depressionada por onde se dispersa a povoação da Lapa Furada e envolvente (Covão do Espinheiro e prolongamento para Sul até à Barreira). Nesta zona observam-se algumas formas semelhantes às atrás descritas sendo a do Covão do Espinheiro (figura nº 2.12) a mais característica (ampla depressão individualizada e alongada ligeiramente mais elevada que a zona da povoação da Lapa Furada).

Figura Nº 2.12 - Zona aplanada a Este e SE do lugar do Covão do Espinheiro

Na parte SE da Lapa Furada ocorre também uma ampla zona depressionada onde se podem observar alguns locais ligeiramente rebaixados.

Figura Nº 2.13 - Zona mais baixa a SW da estrada que liga a Lapa Furada a S. Mamede. (Foto: Fernando Pires)

Na parte NW da povoação da Lapa Furada existe uma ampla dolina em concha, dolina de dissolução, de rebordos muito suaves. Mais encostado ao seu rebordo NW, na base do seu declive mais acentuado e, para o interior, abre-se um amplo espaço em celha quase circular e com aproximadamente 25 metros de diâmetro e 3 de profundidade (dolina de sofusão - RODRIGUES et. al. - 2007). A toda a volta foi feito um muro de pedra para suster o arrastamento de terra para a zona mais baixa. Segundo informações recolhidas no local este rebaixamento na zona mais central estaria relacionado com a abertura (há muitos anos) de um algar na parte mais profunda (Algar dos Porcos) por onde parte do solo teria sido engolida. A forte alteração humana efetuada no local camuflou a possível evolução natural.

Figura Nº 2.14 - Dolina da Lapa Furada na povoação da Lapa Furada. (Foto: Pedro Pinto)

Cavidades

Na Vertente Norte do Vale do Malhadouro existem algumas cavidades vulgarmente designadas por lapas. Uma de dimensão espetacular mas sem aparente desenvolvimento em profundidade é conhecida por Pia da Ovelha e está localizada na escarpa vertical que se prolonga ao longo da vertente próximo da sua parte mais elevada. Ligeiramente a Oeste uma estreita fenda vertical apresenta algum desenvolvimento mas não foi ainda explorada. Ao longo da parede há ainda outras fendas que são demasiado estreitas para se tentar a sua exploração.

 

Figura Nº 2.15 - Formas fluviocársicas a vários níveis ao longo da parede
mais abrupta da vertente Norte do Vale do Malhadouro. (Foto: Raul Pedro)

De acordo com RODRIGUES et. al. (2007) estas formas superficiais podem corresponder a antigas galerias subterrâneas ou estarem relacionadas com o trabalho de sapa das águas fluviais ou ainda resultarem de fenómenos de gelifração e carsificação diferencial. A Lapa da Furneca da Moura na base da mesma vertente e já no fundo do vale tem uma aparência muito mais modesta.

 

No bordo desta vertente escarpada abrem-se dois algares: um conhecido localmente por "Chaminé" e que comunica com uma das paredes de escalada a Oeste da Pia da Ovelha e o Algar do Cabeço Rebelo, em exploração, que se localiza bastante mais a Este e acima da Pia da Ovelha.

A meio da vertente Sul do Vale do Malhadouro e já no alinhamento com a escarpa de falha do Reguengo do Fetal localiza-se uma pequena gruta a Lapa dos Ossos.Mais acima e na escarpa vertical existem algumas estreitas aberturas ainda não exploradas. Junto a duas das estruturas do parque eólico instaladas nos cabeços a Sul desta zona localizam-se dois algares: Algar da Eólica nº 16 e Algar da Eólica nº 19. Junto à nº 16 existe uma pequena Lapa.

 

A NW do v.g.d.do Reguengo existe o pequeno Algar do Caramulo com uma possível comunicação a uma lapa na pedreira próxima (Lapa da Pedreira). Um pouco a Norte da povoação da Torre e ligeiramente a Este do lugar do Piqueiral localiza-se o Algar da Torre. O número e diversidade das cavidades referidas poderá aumentar visto que há ainda algumas desobstruções a realizar em locais com bastantes possibilidades.

 

A exsurgência do Buraco Roto junto à povoação do Reguengo do Fetal é a maior e a mais importante cavidade nesta zona. Note-se que na Freguesia de S. Mamede são notáveis algumas formas superficiais (dolinas e uvalas - Demó e Lagoa Ruiva) e abertas a ocos subterrâneos (Algar da Água e Gruta da Moeda).

 

Figura Nº 2.16 - Buraco Roto, Nascente da Loureira, Lapas (Pia da Ovelha e outras próximas),
Algares do Cabeço Rebelo e do Caramulo. Extrato da Carta Militar 1/25 000 de Porto de Mós.

 


 

2.4 - Aspetos geomorfológicos importantes

2.4.1 - Introdução

O bordo ocidental do Planalto de S. Mamede localizado na freguesia de Reguengo do Fetal constitui um exemplo interessante mas bastante complexo das duas forças interrelacionadas que estruturam as formas do relevo: as forças endógenéticas responsáveis pela evolução morfoestrutural e as ações dos processos exogenéticos responsáveis pela forma ativa da formação do relevo identificáveis pela tipologia e significado morfoclimático dos depósitos já observados e de outros já estudados e descritos reportados a uma área envolvente mais vasta quer a norte, quer a sul desta zona. A componente litológica já foi descrita no enquadramento superficial. A evolução morfoestrutural será feita mais adiante.

2.4.2 - Algumas observações de depósitos superficiais

Nas proximidades da povoação do Reguengo do Fetal são observáveis diferentes e interessantes tipos de depósitos resultantes de evoluções sub-aéreas distintas ao longo da vertente da escarpa de falha: em pequenos valeiros nela encaixados, em vales suspensos pela sua evolução tectónica (Vale dos Ventos) e na parte final do vale fluviocársico (Vale do Malhadouro).

 

2.4.2.1 - Valeiro a NE da povoação (encaixe tectónico)

Na vertente Norte do valeiro que desce entre o v.g. do Caramulo e o do Reguengo observa-se um terraço lateral à cota de 250 metros cuja composição é predominantemente feita por pequenos clastos angulosos. Estão aqui acumulados milhares de fragmentos estilhaçados e arrastados pela erosão mecânica (possivelmente gelifractos). Estes sedimentos de vertente com predominância da fração detrítica em forma de pequenas plaquetas (lascas) merece um estudo detalhado já que apesar da intensa e variada ação tectónica sofrida localmente e, também, a altitudes superiores, que potenciaram a crioclastia não é de excluir que resultem, pelo menos parcialmente, de uma intervenção humana. Na parte superior desta linha de água localiza-se uma pedreira que aparenta, pelo tipo de exploração, ter servido para a extração e preparação de pedra em tempos muito antigos.

 

 

Figura Nº 2.17 - Aspeto geral do depósito de clastos achatados e angulosos. À direita pormenor. (Fotos: Pedro Pinto)

 

Este depósito está localizado em posição não conforme com as vertentes atuais já que se encontra em posição ligeiramente suspensa do sopé das vertentes.

 

2.4.2.2 - Vale do Malhadouro - aspetos particulares

 

Crioclastos

A criocastia é um processo de meteorização física da rocha causada pelas baixas temperaturas. Também aqui e à semelhança do ocorrido na Fórnea (depressão de Alvados) foi o arrefecimento em período de periglaciação que proporcionou as condições favoráveis à formação de crioclastos. Neste local, esse facto foi favorecido por uma importante e extensa família de fraturas paralelas muito próximas umas das outras.

 

Fazendo parte do talude à beira da estrada, junto ao início do caminho que sobe para a Pia da Ovelha observam-se depósitos constituídos por crioclastos angulosos e subangulosos com forte agregação (figura nº 2.18 A). A pequena distância para Este o aspeto do depósito já não é tão homogéneo e para além dos clastos de menores dimensões ocorrem outros de formas e tamanhos muito heterogéneos com alguns de grandes dimensões (figura nº 2.18 B). Aparentemente este último resultou de uma cimentação menos coesa ou talvez mais recente de depósitos e abatimentos em contexto subsuperficial.

 

Figura Nº 2.18 - Crioclastos: junto à beira da estrada (A) e na base da escarpa  a nível intermédio (B). (Fotos: Raul Pedro)

 

A um nível mais elevado e um pouco a ocidente da Pia da Ovelha, na base da parede vertical que acompanha a vertente Norte da parte terminal do Vale do Malhadouro encontra-se uma aglomeração de crioclastos bem consolidados que aparentam integrar outros materiais para além dos clastos calcários.

 

Figura Nº 2.19 - Crioclastos consolidados resultante de depósitos acumulados em concavidade
junto à base da escarpa intermédia do Vale do Malhadouro. (Foto: Raul Pedro)

Siderolitos

Em função do soerguimento do maciço e/ou do abaixamento do nível base parte dos depósitos superficiais descritos por MARTINS e também das coberturas cretácicas depositadas nesta parte do Planalto de S. Mamede podem ter sido remobilizadas encontrando-se atualmente apenas alguns retalhos cretácicos dispersos ocupando, em geral, zonas relativamente elevadas (400m). Neste contexto também é frequente observarem-se um pouco por todo o lado arenitos grosseiros com siliciclastos. MARTINS (1949) designa-os por siderólitos. As aluviões que atapetam o fundo dos vales e das zonas depressionadas poderão conter também uma boa quantidade destas litologias não cársicas.

 

Figura Nº 2.20 - Arenitos grosseiros com siliciclastos de pequenas dimensões observados na envolvente
do caminho pedestre que desce do Cabeço do Rebelo para a Pia da Ovelha. (Foto: Fernando Pires)

 

Nas proximidades da povoação do Reguengo do Fetal são observáveis diferentes e interessantes tipos de depósitos resultantes de evoluções sub-aéreas distintas ao longo das vertentes quer da escarpa de falha quer da parte final do vale fluviocársico (Vale do Malhadouro).

2.4.2.3 - Vale do Malhadouro - aspetos gerais

Sendo este o enquadramento paisagístico mais relevante nas imediações da povoação do Reguengo do Fetal, principalmente pelos aspetos morfoestruturais que, nesta zona, lhe deram dimensão e estrutura característica como já foi referido foram, no entanto, os processos fluviocársicos e cársicos que lhe retocaram e embelezaram o enquadramento cénico.

 

Figura Nº 2.21 - Parte terminal da vertente norte do Vale do Malhadouro
com a povoação do Reguengo do Fetal em 2º plano (Foto: Raul Pedro)

Em ambas as vertentes do Vale, a níveis mais altos, estão marcados evidentes sinais de erosão por circulação hídrica descendente segundo um declive suave. Há evidência de diferentes níveis com aparentes ressaltos descendentes relacionados com a sequência dos acidentes tectónicos e descontinuidades associadas. O vigor dos abruptos que estas vertentes apresentam, em especial na parte terminal do vale, indiciam colapsos relativamente importantes nas margens de um leito fluvial cada vez mais encaixado. A fragmentação das bancadas do calcário, muito fraturado pelas inúmeras descontinuidades verticais paralelas permitiu que a rocha se partisse em clastos relativamente pequenos que, na sua maioria, foram arrastados por uma corrente fluvial. Na base das vertentes e devido a forte ação antrópica muitos dos clastos foram escolhidos e deslocados pelo que em vários locais as suas dimensões apresentam padrão uniforme.

 

Foi por aqui que as drenagens ao longo da evolução do Vale da Quebrada (com altitude de 300m na zona média) venceram a escarpa de falha do Reguengo do Fetal. De notar que na base do Vale do Malhadouro a cota é de 190m. FERNANDES MARTINS (1949) descreve a evolução deste tipo de vales como se segue: «Ora, como os calcários do Maciço, e ainda mais particularmente os do Dogger, são permeáveis em grande - o que não oferece quaisquer dúvidas, a génese desses vales só é suficientemente explicada se admitirmos que durante um período de tempo, mais ou menos longo, a superfície da rocha esteve próxima do nível de base, já que à falta dessa condição necessária nunca poderia ter havido predomínio da erosão normal implícito no escavamento daquelas formas». O Vale da Quebrada acabou por se tornar um vale suspenso possivelmente devido à atividade da Falha de Reguengo do Fetal.

 

O destaque, na parte terminal do Vale do Malhadouro, é um descomunal bloco de rocha calcária (volume estimado de 1500m3) aqui observado que aparentemente colapsou da parte inferior da vertente Norte abaixo da estrada.

 

Figura N 2.22 - O grande bloco abatido na zona final do Vale do Malhadouro. (Foto: Raul Pedro)

 

Junto a ele e, para NNE, encontram-se outros blocos sendo, também, um deles de grandes dimensões mas um pouco menor (fig. nº 2.23 A). Na zona mais baixa da vertente Norte do Vale do Malhadouro encontram-se dispersos ao longo do pequeno declive bastantes blocos mais pequenos mas de dimensões métricas (fig. nº 2.23 B). Esta configuração indicia que a origem deste grande colapso se localiza abaixo da parte intermédia da vertente Norte deste vale. Estarão certamente associados a uma fase evolutiva mais recente. Não foram ainda observados com mais pormenor os eventuais depósitos da vertente Sul na área circundante. Na vertente Norte há indicações de uma importante e recente intervenção humana da qual se desconhecem as proporções.

 

Figura Nº 2.23 - Conjunto de blocos abatidos na zona final do Vale do Malhadouro. A - O grande bloco à esquerda do outro
de grandes dimensões. B - Blocos mais pequenos no suave declive junto à base da vertente (Fotos: Fernando Pires).

 

A recente desmatação desta zona do vale poderá permitir, no futuro, um melhor esclarecimento em relação à caracterização destes colapsos.

 

Figura N. 2. 24 - Conjunto de blocos abatidos nas vertentes da zona final do Vale do Malhadouro.
Na vertente Norte (lado direito da foto) observam-se mais alguns grandes blocos bem como os possíveis
locais da sua origem. Não foram referidos no texto. Na vertente Sul observam-se alguns indícios de blocos
abatidos a nível mais elevado. (Foto: Fernando Pires)

Foram identificados três locais de evidente rebaixamento do solo na zona mais aplanada do fundo do Vale do Malhadouro com diâmetros entre 1 e 2 metros que segundo informações da população foram abertos por emissão ascendente de fluxo hídrico subterrâneo aquando do ciclone de 2003. Este facto evidencia a possibilidade de uma eventual drenagem a maior profundidade por entre blocos.

 

Figura Nº 2.25 - Um dos pontos referidos como emissivos durante o ciclone de 2003. (Foto: Raul Pedro)

 

Para além destes aspetos de intensa e forte ação erosiva ao longo de um antigo leito fluvial é importante descrever os vários depósitos localizados em terraços ou zonas de vertente ao longo da zona intermédia da parte terminal das vertentes do Vale do Malhadouro, em sequência descendente (localização altimétrica) que se reportam a outros períodos da sua evolução. De momento e fundamentalmente devido ao denso coberto vegetal é impraticável fazer para a vertente Sul o mesmo tipo de observações das realizadas na vertente Norte.

Figura Nº 2.26 - Observação da erosão fluviocársica e do retoque cársico na base da escarpa que desce
ao longo da parte terminal da vertente Norte do Vale do Malhadouro. (Foto: Fernando Pires)

 

Na vertente Norte do Vale do Malhadouro à cota dos 280 metros possivelmente acima do eventual antigo leito fluvial pode observar-se um depósito de vertente, não consolidado nitidamente com predominância de clastos com dimensões bastante heterogéneas (crioclastos).

 

 

Figura Nº 2.27 - Depósitos na vertente Norte do Vale do Malhadouro e pormenor.
Escala dada pelos óculos de sol no círculo branco. (Fotos: Raul Pedro)

 

A uma altitude aproximadamente de 230 metros encontra-se um terraço lateral que contem um depósito completamente diferente. Aqui observa-se a predominância de argilas avermelhadas, em contacto com arenitos claros. Nas zonas inferiores aparecem disseminados alguns calhaus rolados (siliciclastos).

 


Figura Nº 2.28 - Parte intermédia da vertente norte do Vale do Malhadouro. (Foto: Fernando Pires)

 

A curta distância para Norte e já na base da escarpa de falha do Reguengo do Fetal, a altitude semelhante mas numa área marginal da influência fluviocarsica o depósito de vertente é muito diferente (figura nº 2.29). Essa diferença também é evidente em comparação com a figura nº 2.27 dado que aqui os clastos são um pouco maiores e a quantidade de argila neste depósito é maior devido à menor altitude e inclinação.

 


Figura Nº 2.29 - Abundantes clastos de dimensões e formas variadas disseminados em argilas.
(Foto Fernando Pires)

 

No prolongamento descendente do Cabeço do Rebelo para WNW e à cota de 222m já sobre afloramentos do Jurássico superior e do Cretácico podem observar-se muitos calhaus rolados, de variadíssimos tamanhos e tipos de rocha, disseminados nos arenitos em estreita concordância com a descrição de Fernandes Martins.

A figura nº 2.30 é bastante ilustrativa não sendo evidente qualquer tipo de estruturação deposicional. As litologias siliciclásticas aparentam resultar de um transporte aquoso rápido por carga de fundo.

 

Figura Nº 2.30 - Talude de berma de estrada. (Foto Raul Pedro)

 

Noutros locais, apenas a dezenas de metros de distância (sobre afloramento Kimeridgiano), observa-se alternância de gradientes dos depósitos. Cobrindo uma pequena parte do rebordo sul do pequeno retalho do cretácico observam-se também depósitos siliciclásticos cuja abundância vai diminuindo rapidamente para Oeste (posição mais elevada).

 

 

Figura Nº 2.31 - Pormenor dos despósitos com gradientes alternados (A) e zona mais a Oeste
com depositos siliciclásticos sobre o afloramente cretácico (B). (Fotos Fernando Pires)

 

Os calhaus rolados já são em menor número e menos evidentes nas imediações da zona de contacto dos arenitos do cretácico com as camadas calco margosas avermelhadas do Kimeridgiano já a uma cota ligeiramente inferior no prolongamento do relevo referido (figura nº 2.32).

 

Figura Nº 2.32 - Discordância angular das formações referidas. (Foto. Raul Pedro)

 

No entanto os siliciclastos de pequenas e médias dimensões (milimétricos a 10cm) são também evidentes e numerosos em locais mais a Este e ligeiramente mais profundos fazendo parte de arenitos mais consolidados de tendência conglomerática. Ocorrem, mas são raros, os clastos de calcário batoniano nestes depósitos mais consolidados.

 

Figura Nº 2.33 - Conglomerado de arenito consolidado com siliciclastos de quartzo de várias dimensões.
Em local próximo a mesma formação apresenta, para além dos siliciclastos um clasto de calcário batoniano
muito fraturado. (Fotos: Fernando Pires)

 


 

2.4.2.4 -Vale dos Ventos

Não foi ainda feita qualquer observação.

 

2.4.2.5 - Envolvente do Buraco Roto

A envolvente da entrada do Buraco Roto, pelas dúvidas que levanta, irá ser objeto, num futuro próximo, de uma descrição mais detalhada. Para além da ação antrópica que sofreu desde a idade do bronze tentaremos recuperar o seu aspeto antes dos trabalhos de desobstrução dos anos 50 bem como perceber qual era especificamente a disposição das condutas e o funcionamento das drenagens nessa altura.

 

Figura Nº 2.34 - Parte da parede acima das várias aberturas para o exterior. (Foto: Raul Pedro)

 

No topo esquerdo da figura nº 2.34 são observáveis dois dos aspetos a considerar num conjunto mais vasto de pormenores: a fenda ocupada por vegetação que poderá ser um exemplo de meteorização por atividade orgânica e logo abaixo uma larga concavidade resultante da passagem de água em espaços confinados.

 

O aspeto mais importante a registar com precisão é a altura a que se observavam as drenagens nos anos 50 antes dos trabalhos de desobstrução. Pela foto que se segue esse pormenor, bastante importante para a interpretação das várias fases da evolução da cavidade nas zonas interiores, fica praticamente esclarecido.

 

 

Figura Nº 2.35 - Lavando roupa junto à exsurgência do Buraco Roto antes da realização
das desobstruções dos anos 50. (Fotos: antiga - António Menino; recente - Fernando Pires)

 

2.5 - Aspetos importantes a aprofundar

O pequeno número de observações pontuais realizadas ao longo da vertente Norte do Vale da Quebrada permitiu identificar um interessante e diversificado conjunto de depósitos. A interpretação da evolução geomorfológica deste vale que numa observação geral mais expedita já aparentava ser complexa tornou-se ainda mais exigente.

 

As inúmeras pequenas condutas subterrâneas (centimétricas) que terminam nas paredes mais ou menos verticais da vertente Norte ou nas antigas sapas destas (pelo menos uma observação de sapas paralelas a diferentes altitudes nesta vertente) indiciam a possibilidade da existência de zonas de antigas galerias subterrâneas, a estes níveis, junto às paredes verticais. A " Chaminé" poderá ser um exemplo de antiga entrada para galeria. Na vertente Norte é importante o comprimento da antiga sapa, a menor altitude, e a sua suave inclinação descendente quase paralela ao declive da vertente sugerindo que resultou de um trabalho de erosão realizado por leito fluvial (ou subterrâneo, ou superficial, ou misto). A circulação hídrica teria funcionado durante algum tempo (mais ou menos longo) a esse nível (figura nº 2.15). São notáveis pela sua dimensão dois dos locais escavados nesta vertente: a Pia da Ovelha (figura nº 2.36 A) e parte desta antiga sapa localizada junto a um importante plano de falha a Oeste da Pia e um pouco mais abaixo (figura nº 2.36 B).

 

 

Figura Nº 2. 36 - Formas fluviocársicas de maior dimensão : Pia da Ovelha e um pouco para W e ligeiramente mais abaixo
um local da antiga sapa. Escala dada por escaladores (A) e caminhante (B). (Fotos: Fernando Pires).

 

Na vertente Sul a evolução fluviocársica foi menos evidente e as formas observadas não indiciam a mesma possibilidade de circulação fluvial superficial como na vertente Norte. Nas paredes verticais que se localizam ao longo desta vertente as possíveis ligações a eventuais ocos subterrâneos interiores são mais expressivas.

 

 

Figura Nº 2.37 - Parte da zona final da vertente Sul e pormenor
dos processos fluviocarsicos. (Fotos: Fernando Pires)

 

Algumas das formas superficiais (vertentes Norte e Sul) poderão ter resultado de fenómenos de gelifração e carsificação diferencial. Foram referenciados vários locais onde ocorrem crioclasto (figuras nº 2.18 e 2.19).

 

A interpretação da evolução do perfil do antigo leito fluvial, neste local, é complexa fundamentalmente pela existência de elevado número de descontinuidades. A tectónica e a evolução carsica em profundidade foram determinantes na sua evolução para vale suspenso.

 

As falhas de desligamento e a banda de cisalhamento associada que serão descritas no enquadramento tectónico foram fundamentais na evolução da vertente Norte.

 

Para além das alterações mecânicas e bioquímicas específicas que potenciaram a meteorização da rocha calcária nesta zona há que considerar a sua própria expansão por descompressão com a elevação e a dissolução superficial sofrida ao longo da sua evolução.

 

As alterações antrópicas que aqui têm sido realizadas também foram relevantes.

 

AGRADECIMENTO

Agradecemos o prestimoso contributo da Profª. Drª. Maria Luísa E. Rodrigues do Instituto de Gestão e Ordenamento do Território (IGOT) na revisão do texto respeitante ao enquadramento geomorfológico agora apresentado e ainda pelo esclarecimento de algumas dúvidas.

Este " MUITO OBRIGADO" estende-se à sua disponibilidade para ir ao terreno fazer uma apreciação dos depósitos que descrevemos no texto mas que por questão de doença não foi possível concretizar. Por tal motivo essa parte do texto não foi, por si, revista.

 

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online

Sistema Nacional de Recursos Hídricos (SNRH).

Câmara Municipal da Batalha

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