Enquadramento do Buraco Roto - Parte 4 de 4

4.3 – Particularidades das condutas internas do Buraco Roto

 

Os aspetos que temos vindo a referir reportam-se à escorrência ao longo da zona exclusivamente vadosa embora as últimas  descrições já se incluam na zona considerada semiactiva. Na atualidade as partes de galerias que poderemos considerar vadosas e acima do nível de cheia estão limitadas, na parte mais interior do Buraco Roto, a três locais: O mais reduzido é a cúpula da Stone Age que poderá em cheias extremas ficar mesmo muito reduzido, o segundo em termos de desenvolvimento é a galeria final a sul do “S de Senna” (Fig. Nº 4.6 A), esta classificação reporta-se a uma evolução um pouco mais recente já que a quantidade de argilas, coladas nas paredes ascendentes, são um indicador de tempos em que um nível de refluxo chegava a esta altura (Fig. Nº 4.7), o terceiro local parece ser o único a apresentar desenvolvimentos predominantemente acima do nível de cheia (Fig. Nº 4.6 B) e corresponde ao desenvolvimento ascendente para Sul da cabeceira do poço da Virgem Traiçoeira (Fig. Nº 4.7).

Figura Nº 4.6 -– Desenvolvimentos em planta e perfil  das atuais zonas mais elevadas: A - predominantemente vadosa; B - zona com partes superiores possívelmente exlusivamente vadosas. (Topografia CEAE-LPN).

   

Figura Nº 4.7 -– À esquerda foto da galeria a sul do “S de Senna”. À direita cabeceira do poço da Virgem Traiçoeira. (Fotos: André Reis).

Na gruta do Buraco Roto é particularmente importante a relação dos níveis de cheia atuais e os vestigios mais antigos nas suas condutas para se tentar compreeder a forma como a cavidade tem evoluido. Nesta perspetiva vamos documentar os principais aspetos evolutivos identificados procurando esclarecer a forma como se foram desenvolvendo. Nesta descrição não tentaremos abordar nem  relacionar esta evolução com o efeito de  abertura da entrada da gruta nos anos 50 do século XX apesar de ter sido muito importante na alteração dos níveis hidrológicos mais internos em situação de cheia.

A definição da zonação hidrológica foi adaptada de BOGLI (1980) e apresenta-se no esquema da Fig. Nº 4.8.

 

Figura Nº 4.8 –- Adaptação local às zonas cársicas hidrológicas definidas por BOGLI (1980).

A definição dos vários níveis é meramente ilustrativa.

 

Uma das particularidades mais frequentes ao longo do desenvolvimento de toda a gruta do Burago Roto é a ocorrência de inúmeras chaminés, em geral, com desenvolvimento vertical apreciável. A sua evolução continua em lento desenvolvimento e quase todas poderão ser incluidas na evolução de cúpulas por dissolução. O modelo teórico de ORTIZ (1995) explica a maioria das variantes observadas.

Figura Nº 4.9 - Evolução das cúpulas de dissolução em antigas zonas freáticas. A – Fase primitiva no início; B – Fase evoluída; C – Fase atual (8 metros de altura). Cada chaminé só continua a evoluir, como cúpula de dissolução, quando o nível piezométrico ultrapassa o seu topo. Adaptado de ORTIZ, F. (1995).

 

  A formação de cúpulas de dissolução que são ocos ascendentes resulta do aumento da dissolução/corrosão provocada pela mistura de águas, uma proveniente de infiltração superior e que por gravidade chega à conduta freática e a outra da própria conduta e sob pressão hidrostática. 
Este tipo de cúpulas pode não ser pontual e ter desenvolvimento complexo em função da maior ou menor quantidade de infiltrações e da distância ou alinhamento entre elas. O desenvolvimento vertical pode ultrapassar as dezenas de metros.
Podem ocorrer, em profundidade cúpulas com uma origem e formação diferente: formam-se pela acumulação de ar que sujeito a altas pressões durante as cheias acidifica a água na envolvente superior potenciando a dissolução nesse perímetro da cúpula.


 
 

 

Pelo menos uma das cúpulas em evolução por dissolução a alta pressão pode ser observada no Buraco Roto (Fig. Nº 4.10 Foto da direita). Neste local observa-se também um outro efeito importante das altas pressões: Os buracos na rampa de argila do chão (Fig. Nº 4.10 - Foto da esquerda).

  

Figura Nº 4.10 -– Uma abóboda sem fissuras. Na zona mais elevada da cúpula o provável resultado de várias

situações de dissolução resultantes das altas pressões.No chão buracos na argila. (Fotos: André Reis).

 

  

Figura Nº 4.11– - Buracos resultantes da pressão exercida localmente. Talvez devido a um pequeno oco

entre blocos soterrados por argila. Nem a plasticidade da argila suportou a elevada pressão. (Fotos: José Ribeiro).

Alguns metros à frente a argila poderá estar acumulada sobre uma pequena passagem ou um oco de maiores dimensões. A dimensão do buraco maior e o arredondamento na envolvente sugerem uma eventual drenagem por este local.

 

Figura Nº 4.12 -– Outro efeito da pressão sobre uma cobertura de argila. Neste caso já é

mais substancial o volume de argila engolido pelos dois buracos (Foto: André Reis).

Outra particularidade da evolução de algumas chaminés ao longo do desenvolvimento do Buraco Roto é a constatação de que por algumas delas se mantêm temporáriamente pequenas escorrências vadosas depois do escoamento dos níveis de cheia. Após a bombagem do sifão em Maio de 2015 e na Passagem da Lengalenga observou-se uma pequena escorrência provavelmente mais prolongada pois ainda havia um pequeno débito que tem escavado, ao longo dos anos um estreito e suave afundamento do pequeno leito da mesma. Mais à frente a escorrência da chaminé de 13 metros antes da Passagem do Caos ainda estava a escorrer de forma continuada embora com pequena quantidade de água. Mais no interior da gruta e imediatamente a montante da Passagem do Lançamento observou-se a maior escorrência de todas que alimenta um pequeno lago (zona da coluna).

Figura Nº 4.13 -– O poço de 11m a chaminé de 13m e lago a seguir à Passagem do Lançamento são os

três locais que em Maio de 2015 ainda apresentavam escorrência vadosa. (Topografia CEAE-LPN).

 

 

Figura Nº 4.14 -– Saída da Passagem da Lengalenga e lago próximo da Passagem do Lançamento.(Fotos: André Reis)

Não foram observadas mais escorrências vadosas e em especial em qualquer das zonas que considerámos na descrição da Figura nº 4.6. Possivelmente por desfazamento temporal (secagem) já que não eram zonas onde ocorressem pontas de exploração prioritárias.

 

Ao longo das explorações de 2014 e 2015 no Buraco Roto a prioridade foi sempre dada às desobstruções que aparentavam um mais rápido crescimento do desenvolvimento provável da gruta. Apesar de alguns esforços realizados à ultima da hora (probabilidade de sifonamento da gruta no inverno) não foi possível esclarecer de forma inequívoca qual o trajeto da conduta principal (antiga e atual) em dois pontos importantes da cavidade. As últimas explorações já mesmo no fim do ano foram dedicadas à ligação entre o meandro da Virgem Traiçoeira e a Passagem da Cabeça do Crocodilo. Não foram conclusivas pela pequena dimensão das passagens a montante da Cabeça do Crocodilo .

Figura Nº 4.15 -– Pequena galeria para o interior da Passagem da Cabeça do Crocodilo (181m). (Topografia CEAE-LPN)

 

Esta pequena galeria apresenta dois locais ascendentes sendo provavelmente a chaminé de 6 metros o local de ligação ao ponto onde o estreitíssimo leito inferior do rio que prolonga o meandro da Virgem Traiçoeira para nível inferior, deixa de ser penetrável. É novamente um indicador fortuito a confirmar este ponto de transvase. Vislumbrava-se por entre os blocos entalados, um pouco abaixo, nessa fenda, mais uma garrafa provavelmente esquecida na zona interior da gruta.

 

 A segunda zona, bastante mais complexa, é a eventual ligação entre a sala a jusante da Passagem do Lançamento (-12m) e a “gruta velha” (zona a -15 metros localizada abaixo da Passagem da Lengalenga - jusante) (ver fig. Nº 4.16). A ligação obvia é a subida da água até à Sone Age e a continuação pelo traçado aberto entre os dois locais. Aparenta ser a conduta principal atual mas há uma questão importante que não fica esclarecida. Não é esse o trajeto das importantes quantidades de areia que pelo menos aparentemente passam da zona interior para a “gruta velha”. Vai ser precisa uma observação cuidada na envolvente da sala a jusante da Passagem do Lançamento e em toda a subida e cimo da Stone Age. As observações realizadas sobre os aportes e movimentações das areias no interior da gruta vão ser descritas mais à frente.

 

Outro aspeto relacionado com a drenagem principal pela Stone Age que mereçe uma maior atenção é a existência de zonas muito estreitas e aparentemete sujeitas a obstruções quase completas que tivemos de desobstruir. Há alguns indicadores de que eventualmente foram colmatações quase efetivas. Infelizmente não foram documentadas fotográficamente antes de serem desobstruidas para se perceber quão abertas estavam as passagens. A zona intermédia do poço de 4m e o canto descendente da sala a seguir são zonas muito propícias a deslizamentos de argilas e blocos em caudais de cheia ou no abaixamento do nível interior.

 


Figura Nº 4.16 –- Projeção topográfica 3D representando a antiga parte terminal da gruta e o início da parte nova explorada em 2014:

A –- Passagem da Lengalenga (desobstrução vertical inicial), B -– Ponto de cota mais baixa ao longo da progressão principal (-15 m),

C –- Local mais elevado, da parte inicial da cavidade (+15 m), D –- Escalada de 11 metros, E -– Passagem do Caos, F -– “Stone Age” (chão a 192 m).

As linhas finas azuis delimitam a área de possíveis condutas desconhecidas para a parte antiga. As linhas vermelhas, os locais dessas eventuais ligações.

A figura está orientada segundo o sentido da progressão para o interior.

A seguir à base do poço de 4m está localizado o ponto de desobstrução que ainda apresenta alguma colmatação mais consistente em volta (desobstrução 2014 – Fig. 4.17 fotos central e direita).

    

Figura Nº 4.17 - Cabeceira do Poço de 4 metros e o ponto de desobstrução no canto da sala no fundo do poço.

O outro local que suspeitamos também tenha estado quase completamente colmatado é a Passagem do Caos. Embora a inclinação da Stone Age para este lado seja menos expressiva o sentido da corrente acompanha essa descida pelo que a deslocação de sedimentos poderá ter sido variada e incluir o rolamento de pequenos clastos. A observação que consideramos mais importante dessa eventual ocorrência é a evolução posterior na galeria descendente a jusante da Passagem do Caos. Desenvolveram-se variadíssimas formas de reconstrução com tamanhos apreciáveis, sobre um manto de argila. Posteriormente sofreram um desmantelamento completo por falta de base de sustentação devido à erosão da argila por forte corrente. A coluna da foto da direita ilustra a evolução em pelo menos dois depósitos de argila diferentes e com desfasamento temporal. O desenvolvimento da estalagmite sobre o segundo depósito, mais elevado, foi também mais prolongado.

 

Figura Nº 4.18 -– Devastação provocada pela erosão de argilas sob mantos calcíticos

onde se desenvolveram importantes formas de reconstrução. (Fotos: José Ribeiro e André Reis)

Outra ocorrência frequente em locais de menor cota interna desta gruta são as zonas de conduta com formas típicas de evolução paragenética (desenvolvidas em condutas freáticas). Não existindo ao longo da gruta zonas sujeitas, atualmente, a uma corrente continuada ela ocorre ao longo de uma parte variável do ano em função das quantidades e periodicidade das precipitações ocorridas no Planalto de S. Mamede. Outro fator muito variável e que é determinante para este tipo de pequena continuação evolutiva é a variação da acumulação local de areias. Nos espaços cobertos pela areia não há praticamente dissolução.

  

Figura Nº 4.19 -– Evolução paragenética de tetos por dissolução e erosão. Quando há maior acumulação de detritos

a drenagem pelas condutas estreitas é muito intensa e a erosão passa a ter um papel mais expressivo.

Esquema adaptado de FERNANDEZ (1995). (Fotos: André Reis e José Ribeiro)

 

A evolução paragenética ao longo de condutas desenvolvidas em função das juntas de estratificação pode ter como resultado a evolução no estrato superior de caneluras tipo “lapiás inverso”. Serão mais desenvolvidas nos casos em que o preenchimento por detritos entre o extrato superior e inferior for total ou quase total. O extraordinário desenvolvimento destas formas pendentes foi o resultado de uma antiga evolução da conduta principal da gruta em condições de circulação freática com preenchimento de sedimentos até ao teto.

Figura Nº 4.20 -– Caneluras de erosão no teto formadas em conduta freática

com preenchimento de sedimentos maioritariamente detríticos até ao teto. (Foto: José Ribeiro)

Como nota conclusiva desta pequena abordagem pontual de natureza genética e em face das dificuldades de interpretação encontradas foi realizada entre Outubro de 2015 e Setembro de 2016 uma monitorização com a colocação estratégica de pequenas boias a fim de se procurar identificar o funcionamento da circulação hídrica no interior da gruta e quais os níveis atingidos.

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