"Um Algar Improvável" - Parte 1 - Enquadramento superficial

1.3 - Evolução Geomorfológica

A primeira circunstância a chamar-nos a atenção na zona envolvente destes dois importantes algares é a uniformidade dos amplos lajedos das bancadas extensas e nuas, suavemente inclinadas para Sul. A segunda é a impressionante dissecação observada em algumas áreas e a organização praticamente paralela das várias famílias de descontinuidades superficiais com múltiplas zonas de interseção. A terceira e última, reportada a uma área mais alargada, é motivada pelas diferenças da estratonomia que permitiram em alguns locais um maior desmantelamento do modelado superficial (rebordo das camadas), em geral nas zonas onde as bancadas que aí afloram são menos espessas e ou mais fraturadas.

 

Fig. 1.5 - Amplos lajedos (aplanado na zona mais elevada e inclinando posteriormente para sul). Aspeto geral de um local
com alteração superficial da rocha em zona muito fraturada. A orientação das descontinuidades superficiais,
predominantemente paralelas ao mergulho das camadas potencia a evolução deste processo. (Foto: Fernando Pires).

 

É particularmente evidente a influência da tectónica na evolução das fornas superficiais nesta área do Planalto de Santo António.

1.3.1 - Formas superficiais

 

A acentuada desnudação do terreno, a ligeira inclinação das camadas e a diversidade das orientações das disjunções foram os fatores que conjugados com os trabalhos da água (pluviosidade e degelo da neve e do gelo de acumulações pontuais devidas a períodos mais frios no quaternário) criaram aqui um modelado superficial muito diversificado. A atuação dessas águas teve alternâncias (períodos com climas mais frios e outros mais quentes) por vezes com importantes dilatações temporais (RODRIGUES, 1991).

 

Na morfologia superficial o aspeto mais importante e característico é o lapiás de mesa que se estende ao longo das bancadas tabulares bem expostas e um pouco mais espessas (fig. 1.6 zona A). Em alguns locais as bancadas que afloram, menos espessas, foram mais desmanteladas pela desagregação em blocos, por vezes mesmo pelos seus deslocamentos (em geral no rebordo das bancadas - fig. 1.6 zona B). Nas bancadas com zonas mais conservadas observa-se um lapiás de mesa que poderá ter estado parcialmente coberto (fig. 1.6 zona C).

Fig. 1.6 - Alguns aspetos da morfologia superficial respeitantes aos campos de lapiás.

A - Lapiás de mesa; B- Rebordo das bancadas desmantelado; C - Lapiás de mesa que esteve coberto.

São ainda característicos os vários corredores de acumulações das argilas de descalcificação, em geral estreitos em largura e espessura de solo, mas bastante alongados dispondo-se junto à base do rebordo de algumas bancadas (mais comuns no topo e ao longo do rebordo norte da zona mais elevada da vertente). Estão relacionados com o maior aplanamento do relevo nessas zonas.

 

Na figura Nº 1.6 sintetizou-se um conjunto de diversas formas superficiais que merecem alguma observação de pormenor. Nas figuras que se seguem elas são ilustradas de forma mais individualizada e complementam a breve descrição que foi feita anteriormente.

   

Fig. 1.7 - Extenso lajedo de lapiás de mesa (figura da esquerda) e transição, na sua ponta final
(metade direita da segunda figura) para zona mais afetada pela erosão resultante das escorrências.

   

Fig. 1.8 - Importante erosão/dissolução superficial por escorrências segundo o mergulho das camadas.
Ação de desmantelamento do rebordo de camadas menos espessas (em conjugação com a fracturação local). 

    

Fig. 1.9 - Coalescência entre duas diáclases por reativação cisalhante (figura da esquerda) e o efeito
da interseção de uma das fraturas de desligamento (N-S) por fraturas paralelas (figura da direita).

 

  

Fig. 1.9 - Fragmentação superficial com predominância da ação erosiva e de dissolução em relação à de
origem tectónica (figura da esquerda). Corredores de acumulação de argilas de descalcificação (figura da direita).
Ocorrem, também, em vários locais ao longo da suave encosta que se prolonga para Sul.

Considerando-se uma área mais vasta para Sul, desde o topo da vertente meridional do Vale da Canada, entre a estrada alcatroada (Santo António/Alvados) e o Vale da Lousã prolongando-se em ligeiro declive até às zonas urbanizadas observa-se que este modelado superficial é compartimentado pelo alinhamento quase paralelo de vários pequenos valeiros secos em U encaixados nas fraturas e por vezes pontualmente desorganizados pela carsificação ao longo do seu traçado.

 

Nesta área, as propriedades agrícolas encontram-se muito organizadas e foram, de um modo geral, sujeitas a importantes alterações antrópicas que modificaram o modelado original. Deste modo, certos corredores de acumulação de terra rossa ganharam maiores dimensões, embora mantendo uma configuração semelhante aos naturais. Em alguns desses pequenos valeiros secos essa ação antrópica deu maior expressão aos chousos dando por isso uma maior aparência de desorganização da carsificação e nos valeiros mais largos, os fundos mais aplanados, em suave declive, foram trabalhados em longos socalcos e acompanham uma boa parte do seu traçado final (zonas com cotas inferiores).

 

O mais expressivo, e também o mais profundo, é o que se desenvolve entre o Vale da Canada e a zona oriental da povoação de Telhados Grandes (influência de duas falhas paralelas ao longo da base das suas pequenas vertentes). É o único que atravessa, por um ligeiro entalhe, o topo da vertente do Vale da Canada. O amanho continuado da terra dá-lhe também um maior destaque visual. A formação deste entalhe parece estar relacionada com o mesmo processo de evolução nesta zona mais elevada. As Covas da Canada (muito próximas) poderão resultar de processos semelhantes.

Fig. 1.10 - Envolvente do Algar Improvável com destaque para o vale mais encaixado ao longo de fraturas NNW/SSE.

 

As Covas da Canada na cabeceira do vale aparentam alguma descaracterização de antigas dolinas pelo seu alinhamento e aparente captura pelo perfil superior da linha de água. A dolina mais característica localiza-se muito próximo da estrada alcatroada (lado Oeste). É uma dolina assimétrica de motivação estrutural com uma área aplanada central elíptica a retangular com orientação NW-SE e com dimensões de aproximadamente 35 por 25 metros (fig. Nº 1.11).

 

A suave área declivosa na maioria da sua envolvente é no entanto muito mais extensa em quase todo o perímetro e com mais de 10 metros de desnível. No entanto, para WNW esta envolvente está muito reduzida limitando-se a um curto rebordo ligeiramente mais elevado que lhe dá uma aparência de localização quase suspensa na cabeceira do Vale da Canada.

Fig. 1.11 - A dolina mais conservada das Covas da Canada. (Foto: Fernando Pires)

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