A utilização das novas tecnologias tem permitido, nos últimos anos, um aumento de precisão nas medições cartográficas pelo que os mapas mais recentes se revelam bastante mais precisos do que as antigas cartas militares. Devido à alteração do método tornaram-se desnecessários muitos dos antigos vértices geodésicos (v.g.) auxiliares, pelo que foram ignorados. Perderam-se assim importantes referências aos topónimos locais que são muito importantes para a identificação e referenciação durante os nossos trabalhos de prospeção de campo. Por este facto e com as devidas correções altimétricas manteremos os nomes antigos, substituindo a designação de v.g. por vértice geodésico desativado (v.g.d.)
A povoação de Reguengo do Fetal encontra-se espalhada, predominantemente, ao longo das vertentes Sul e sudoeste de uma pequena colina (215m) encostada à vigorosa escarpa da falha do Reguengo do Fetal a qual atinge no v.g. do Caramulo (Serra da Barrozinha) os 425m e no v.g.d. do Reguengo os 414m.
Entre os dois vértices geodésicos instalou-se um valeiro de origem tectónica que fletindo para NW, próximo da base da escarpa do Reguengo do Fetal, se vai alargando progressivamente destacando a colina onde está localizada a povoação (lado Norte).
Foto nº 1 – Centro urbano da povoação de Reguengo do Fetal vista do topo da escarpa próximo do moinho do cabeço do Reguengo. (Foto: Raul Pedro)
Na vertente Este dessa pequena colina, e entre esta e a escarpa da falha, foi-se desenvolvendo uma pequena cabeceira de vale, estando a sua evolução relacionada com as drenagens no Buraco Roto, de uma outra pequena exsurgência mais abaixo e ligeiramente a Sul (nascente da Loureira), e ainda das pontuais escorrências superficiais ao longo da base da vertente da escarpa sobranceira ao vale. A Sul do ponto onde esta linha de água atravessa a povoação (cerca de 150 metros de altitude) o terreno eleva-se rápida e progressivamente até à Igreja de Nossa Senhora do Fetal (211m) prolongando-se até ao v.g.d. do Rebelo (323m). A configuração geral do local faz lembrar uma pequena “reculée” encostada à escarpa do Reguengo do Fetal.
A vertente SW da Serra da Barrozinha a Norte do Reguengo do Fetal perde o abrupto de escarpa de falha e, embora pertença ao cume mais elevado da zona, só vai ganhando altitude pela sucessão de pedaços de encosta ligeiramente convexos e de inclinação progressivamente mais suave até ao topo. Esta serra é limitada a Norte por um vale bastante encaixado que, prolongando-se na direção ESE, estabelece uma linha de água coincidente com a base da serra. Na vertente oposta estende-se a povoação da Torre que, empoleirada a meia encosta, perece vigiar a saída do vale. Ligeiramente a oriente desta aldeia juntam-se três pequenos vales também bastante encaixados (cotas da junção entre 250 a 260m) que compartimentam de forma radial os cabeços mais para Norte. O mais oriental, o Vale da Pedreira, estabelece a NE o limite da serra da Barrozinha separando-a do Cabeço do Marouço (420m). Prolongando-se para Este o vale faz também a separação entre o Cabeço do Marouço e o Monte da Perulheira onde, no v.g.d. da Pia, se atinge os 413 metros. Para leste da sua cabeceira estende-se o Planalto de S. Mamede, onde predominam as cotas entre 380 e 390m, com raras zonas mais deprimidas (370m) e alguns alinhamentos mais elevados (400 a 408m). Em continuação, e com o progressivo afastamento para leste, as cotas médias baixam duas dezenas de metros. No extremo Norte do território da freguesia do Reguengo do Fetal no v.g. da Maunça (435m) termina um dos mais importantes alinhamentos de cabeços desta zona. Prolonga-se para ESE e conjuntamente com o Concajido constitui a vertente Sul do bem vincado Vale das Nascentes do Lis.
Mapa nº 1 – Carta hipsométrica de parte do Planalto de S. Mamede pertencente às Freguesias de Reguengo do Fetal e S. Mamede.
Va1, Va2 e Va3 – Valeiros de origem tectónica VS - Vale suspenso. Mapa adaptado do GeoPortal do site da Câmara Municipal da Batalha.
A SE do Reguengo do Fetal e imediatamente a Sul do v.g.d. do Rebelo (323m) abre-se uma impressionante “garganta seca” muito inclinada, o Vale do Malhadouro, que se prolonga para Este por um vale suspenso (Vale da Quebrada) com alguns quilómetros de extensão. Quer na vertente Norte do Vale do Malhadouro quer na vertente Sul podem observar-se alinhamentos de paredes calcárias verticais exibindo importantes formas do retoque cársico e fluviocársico que sofreram. Serão objeto de uma descrição mais pormenorizada na descrição geomorfológica. É nesta zona do vale que se localizam os abruptos mais vigorosos e escarpados que atingem em ambos os lados desníveis próximos dos 100m.
Foto nº 2 – Escarpas do Vale do Malhadouro, a pequena colina da povoação do Reguengo do Fetal
e o prolongamento do casario disperso para NW. (Foto: Fernando Pires)
O desenvolvimento do Vale da Quebrada para oriente até próximo da povoação de S. Mamede compartimenta, embora já de forma menos espetacular, o relevo local. A partir do v.g.d. do Rebelo e sensivelmente segundo a direção NE observa-se uma elevação progressiva das cumeadas até ao cabeço dos moinhos (396m) e continuando até ao v.g.d. do Reguengo (414m). A vertente ocidental integra a escarpa de falha de Reguengo do Fetal nas imediações da povoação. A vertente SE mais suave e recortada desce até ao Vale da Quebrada a SE do cabeço dos moinhos e para ESSE a partir do v.g.d. do Reguengo até ao Vale da Formosa. A cabeceira do Vale da Formosa, circundada por encostas bastante suaves quer a Este quer a Oeste, é limitada a Norte pelo Monte da Perulheira e o respetivo prolongamento até à povoação da Perulheira. A orientação geral é E-W mas na extremidade Oeste deste cabeço esboça-se um prolongamento para SW até um colo próximo dos 400m onde confluem os três alinhamentos desta parte do relevo local: o agora descrito, o da Serra da Barrozinha (NW-SE) e o do v.g.d. do Reguengo (NE-SW). A parte mais a Norte da vertente oriental do Vale da Formosa enquadra-se já no Planalto de S. Mamede. Na parte Sul e nas proximidades da sua confluência com o Vale da Quebrada o alinhamento dos topos com orientação N-S mantem a cota próximo dos 380m e faz a separação para o pequeno Vale da Seta localizado imediatamente a oriente. Dos 329 metros de altitude a que se encontram algumas casas desta povoação a Sul da estrada principal eleva-se rapidamente uma vertente mais inclinada com orientação E-W até ao v.g.d. do Preso (413m). A suave vertente a Este deste cabeço enquadra-se já no Planalto de S. Mamede. A Sul deste vértice geodésico, no Covão da Carvalha, localiza-se a cabeceira do Vale da Quebrada que aqui e num importante e estreito prolongamento para Sul morde o bordo do planalto até aos 350 metros terminando a leste da povoação da Lapa Furada.
A vertente Sul do Vale da Quebrada é bastante menos recortada e apenas por pequenos valeiros bastante declivosos: o mais oriental a NW da Lapa Furada orienta-se segundo essa direção e desce rapidamente das cotas do bordo do Planalto (370m) para as cotas do talvegue na parte intermédia do Vale da Quebrada (310m), o segundo com início ligeiramente a Oeste do v.g.d. da Andorinha (442m) é menos vincado desce até aos 300 metros no Vale da Quebrada. Do v.g.d. da Serra da Andorinha ponto culminante e sobranceiro da vertente Sul do Vale da Quebrada partem dois alinhamentos de cabeços que fazem, embora só parcialmente, parte da vertente Sul deste vale. Um alinhamento para SE (428, 432, 421m) até Norte da povoação do Covão do Espinheiro e outro para SW (435, 442m) até à cabeceira do Vale dos Ventos. O prolongamento para NW correspondente ao Cabeço do Poio (400m) a Oeste do v.g.d. da Serra da Andorinha constitui a parte final da vertente Sul do Vale da Quebrada. Pelo seu retoque cársico e fluviocársico a parte final do Vale da Quebrada (Vale do Malhadouro) será também objeto de descrição mais pormenorizada no enquadramento geomorfológico.
O Vale dos Ventos, vale alongado com orientação NW-SE, muito encaixado e com declive acentuado, terá também uma análise geomorfológica mais detalhada. A sua cabeceira é uma ampla e recortada depressão com cotas a rondar os 400 metros de altitude. É limitada a Norte pelos dois alinhamentos de cabeços descritos para a Serra da Andorinha, a SW pelo cabeço da Murada (498m), a SE e S pelo Cabeço dos Picareiros (495m) e do seu prolongamento para ENE (459) e continuando segundo um novo alinhamento NNE (452, 449, 425m).
Para Sul do Vale dos Ventos a Escarpa de Falha de Reguengo do Fetal vai ganhando progressivamente mais vigor mantendo alguma uniformidade. A SW do cabeço da Murada e para lá do limite concelhio pode observar-se um interessante vale suspenso a 400 metros de altitude.
Fig. nº 1 – Esboço de MARTINS, F. (1949) de Vale suspenso
Em jeito de conclusão referimos as considerações de MARTINS, F. (1949): ”o abrupto da falha de Reguengo do Fetal ergue-se alteroso, com vales suspensos e profundos golpes de gargantas de ligação, a dar a esse bordo poente do planalto de São Mamede uma imponência orográfica”.
A escarpa de Falha de Reguengo do Fetal pela sua pujança e continuidade relativamente uniforme revela-nos a importância das influências orogénicas e estruturais no estabelecimento dos dois principais níveis topográficos:
a) A ocidente do bordo do Planalto e para Norte da Carreirancha a suave ondulação do relevo vai perdendo progressivamente altitude ao longo das ribeiras que se orientam nessa direção. Os pontos mais elevados localizam-se junto à base da escarpa e correspondem aos retalhos cretácicos de Reguengo do Fetal e da Torre. Para MARTINS (1949): “ nada mais são do que os restos de uma formação detrítica que foi desmantelada por uma recidiva de erosão: e, como acontecia que o Belasiano estivesse em contacto anormal com os calcários duros do Dogger, o plano de falha foi exumado, evolução que mais não representa do que uma simples adaptação à estrutura. Para o Sul do Reguengo as formações calco-argilosas do Kimeridgiano em continuidade tectónica com as rochas batonianas tiveram o comportamento de material brando e proporcionaram também a exumação”. Mais a Sul é a Tojeira (298m), cabeço em calcários do Oxfordiano no prolongamento do flanco Este do anticlinal de Alqueidão, o ponto mais elevado. Ainda mais para ocidente e ao longo do Vale do Lena é o acidente tifónico que trousse à superfície as margas do Hetangiano bastante mais brandas a justificar o aplanamento do relevo. A ocupação humana e a dispersão tornam-se mais importantes para lá dos terrenos onde afloram calcários do Jurássico Superior a Sul e a Oeste de Reguengo do Fetal. Para Norte desta povoação essa ocupação e dispersão já é mais acentuada.
Fig. nº 2 - Principais aspetos da compartimentação topográfica no bordo NW do Planalto de S. Mamede.
Tomada de vistas orientada exatamente de Norte para Sul. Imagem Google Earth.
b) No seguimento da escarpa de falha e para oriente estende-se o Planalto de S. Mamede. Agora também é pertinente a observação de MARTINS (1949): ” As superfícies de nivelamento conservadas não são muito extensas e algumas estão reduzidas a testemunhos; ainda assim a importância delas na topografia do Maciço impõe-se imediatamente a quem, depois de galgar a escarpa do Reguengo, se quede na contemplação da plataforma de Fátima”. Para além dos níveis reportados e bem definidos por Fernandes Martins (nível das Pias a 508m e Plataforma de Fátima a 350m) interessa-nos especialmente o nível intermédio que ele designou por nível do patim. O nível das Pias que abrange os confins da Freguesia de S. Mamede muito próximo de Lagoa Ruiva e que engloba também os cabeços de Vale de Barreiros (501m), de Marvila (520m), de Vale do Sobreiro (523m), Lama Gorda (514m) e Cabeço da Giesteira (520) entre outros, na envolvente, está profundamente carsificado e só alguns cabeços com cotas a rondar os 500m parecem ser zonas residuais como descrito por MARTINS (1949), (pág. 118). O nível das Pias descrito por este autor (Fig. 8 – nossa Fig. Nº 3) reporta-se à observação segundo uma direção NE (Ourém/Fátima) – SW (Cabeço de Pias).
Fig. nº 3 - Principais aspetos da compartimentação topográfica no limite Sul do Concelho da Batalha. MARTINS, F. (1949).
De notar que no topo esquerdo da figura referida (NW da uvala da Demó) já se encontram representados os cabeços mais elevados na zona Sul da freguesia do Reguengo do Fetal (Picareiros - 495m e Murada – 498m). No vale suspenso a Sul do cabeço da Murada e com cabeceira em Chão Falcão a carsificação também teve intensidade pois apresenta duas células cársicas ou depressões (embora menos evoluídas) do tipo sotch – como as da Lagoa Ruiva ocupando-lhe os fundos (Martins 1949 - Pág. 135). No parágrafo a seguir o autor apresenta uma caracterização do significado morfológico dos vales secos na orla do maciço que permite enquadrar, física e temporalmente, os restantes vales que transpõem a Escarpa de Falha de Reguengo do Fetal ao longo desta freguesia: “ A nítida diferença das condições hidrográficas e dos perfis transversais e longitudinais que se verificam entre os vales em V e os de vertentes convexas, por um lado e os em U aberto, por outro, levam-me a concluir que os últimos são ainda o testemunho da evolução morfológica dos tempos terciários, velhas formas que as características particulares de uma estrutura calcária deixaram persistir, ao passo que os primeiros, mais jovens e não desorganizados por dolinas, refletem já a evolução cíclica quaternária, confinada, é certo, ao âmbito dos vales”.
Fig. nº 4 – Vales que entalham o bordo NW do Planalto de S. Mamede na Freguesia de Reguengo do Fetal: 1 - Vale das Nascentes do Lis,
2 – Vale da Pedreira, 3 – Valeiro tectónico 4 – Vale da Quebrada, vale suspenso, 5 – Vale dos Ventos, vale suspenso,
6 – Vale suspenso. Imagem Google Earth.
A antiga rede fluvial está bastante bem definida nesta parte marginal do Planalto mas à medida que nos afastamos do seu rebordo e para Este a carsificação superficial vai tornando cada vez mais confusa a sua identificação. Estamos no prolongamento para NW do nível do patim referido por Fernandes Martins.
A ocupação humana, no Planalto é menos dispersa, alongando-se junto às principais vias de comunicação ou ocupando amplas zonas depressionadas mais favoráveis ao amanho das terras. A fixação da algumas pequenas indústrias e de comércio anima as zonas mais humanizadas.
O clima de uma determinada região influência de forma sistemática a evolução do seu ambiente físico nomeadamente no regime hidrológico, nos solos e na vegetação. A intervenção antrópica, cada vez mais marcante, provoca alterações nos processos erosivos regionais em função das litologias presentes e do modelado provocando alterações nos distintos sistemas morfogenéticos herdados. As variações climáticas e estruturais ao longo do tempo geológico influenciaram a natureza e o ritmo dos processos geomorfológicos. Hoje são os nossos vários tipos de intervenção sobre a paisagem e a ocorrência de situações extremas nos parâmetros climáticos e eventualmente na neotectónica a marcar a localização e a alterar o ritmo desses processos.
Na região em apreço ocorrem formas de relevo originais cujas paisagens geomorfológicas são características e que devem merecer particular atenção.
Embora o Buraco Roto e a sua envolvente sejam o foco central do nosso trabalho é importante enquadrá-los num espaço mais abrangente nomeadamente em termos do meio ambiente. A região situa-se numa zona com clima do tipo ambiental mediterrâneo mas sob forte influência do Oceano Atlântico. O efeito orográfico do bordo do Planalto potência quer a precipitação no inverno quer a ocorrência de orvalhadas noturnas na primavera e outono sobre a vegetação em geral e fundamentalmente sobre as culturas de sequeiro nos campos mais aplanados a oriente.
A análise da precipitação e temperatura para a região reporta-se assim a uma área mais vasta por forma a abranger uma maior área do MCE (parte Norte – Bacias subterrâneas dos Rios Lena e Lis). Os dados foram recolhidos online no Sistema Nacional de Recursos Hídricos (SNRH).
Mapa nº 2 – Precipitação média anual na parte Norte do Maciço Calcário Estremenho. A vermelho as nascentes do Lena e do Lis.
A amarelo o Buraco Roto. Fonte do mapa: SNIRH. Adaptado de ASCENSO 2011.
Globalmente o MCE é um dos mais importantes aquíferos do país com uma área total de 767,6 Km2. ALMEIDA et al (2000) admitem uma recarga de 300 a 350 hm3 ano. Para outros autores os valores são relativamente superiores, CRISPIM e MONTEIRO (1999) avaliam em cerca de 500 Mm3 o armazenamento hídrico subterrâneo do MCE considerando em cerca de 50% o valor da precipitação que se infiltra. A taxa de evapotranspiração calculada para o MCE é de 600 a 700 mm. Dada a dificuldade de deteção dos locais subterrâneos de armazenamento hídrico substancial no MCE (há exceções) as captações são, em geral, efetuadas próximo ou nas nascentes periféricas.
Estes aquíferos subterrâneos são extremamente vulneráveis à poluição já que o processo de recarga pode ser muito rápido e intenso.
Os principais episódios de precipitação extrema registados nos últimos anos na estação da Batalha são: 06/01/2001 – 587 mm, 08/02/2001 – 740,9 mm, 19/01/2003 – 371,1 mm, e 08/12/2006 – 474,2 mm (os valores reportam-se à acumulação durante vários dias/meses consecutivos).
Na estação de Crespos localizada no concelho mas a maior altitude já no interior do Planalto de S. Mamede as precipitações são sempre mais intensas como se pode constatar pelo Quadro nº 1.
Quadro nº 1 – Gráfico pluviométrico de Batalha e Crespos (1980/2009). Precipitações médias mensais (ASCENSO 2011)
As temperaturas médias mensais variam entre 20º e 10º. Também aqui se observam situações extremas como por exemplo uma média mensal em Fevereiro de 2005 de 6o e, em Agosto de 2003 uma média mensal de 22,5o (dados da estação da Batalha). À importante exposição solar da escarpa de falha do Reguengo do Fetal não corresponde atualmente um grande efeito de termoclastia devido ao abundante coberto vegetal que cobre a zona (no Verão as temperaturas máximas podem atingir pontualmente os 40º C). No entanto, nos abruptos de rocha exposta e, em especial nas cornijas que coroam alguns cabeços, esse efeito tem potenciado a desagregação mecânica da rocha. São ainda assinaláveis os nevoeiros litorais de advecção e os nevoeiros mistos das baixas atlânticas (DAVEAU 1985). As vertentes, dependendo da situação geográfica, podem ficar sujeitas também a frequentes dias nebulosos nem sempre chuvosos.
Apesar da Estratigrafia não ser uma das áreas relevantes no contexto geral deste trabalho ela torna-se, no entanto, importante como elemento de sequenciação temporal quer cronostratigráfico quer litostratigráfico. Assim optamos por apresentar apenas um quadro de sistematização geral referente ao Maciço Calcário Estremenho. As formações e unidades litostratigráficas aflorantes, na área em estudo, e as suas respetivas litologias serão objeto de uma pequena descrição posterior.
Quadro nº 2 – Litostratigrafia do MCE
A extraordinária evolução do relevo quer no que respeita ao vigor quer na diversidade das formas que se observam nesta parte do território da freguesia de Reguengo do Fetal deve-se não só aos acidentes tectónicos presentes mas também à diversidade litológica existente e ao tipo de contacto entre as diversas formações. A tectónica pôs em contacto rochas de resistência desigual aos fenómenos de erosão e/ou corrosão química.
Os calcários micríticos de Serra de Aire (J3SA) constituem uma faixa estreita que se prolonga para Sul desde a parte SE da povoação. São limitados a W pela falha de Reguengo do Fetal junto à base da escarpa e chegando a Este quase ao topo (350m) do Cabeço do Poio. É nesta formação que se desenvolveu a parte mais declivosa da “garganta seca” referida anteriormente. São calcários duros e compactos mas bastante fraturados.
Foto nº 3 – A Serra da Murada e a escarpa de falha de Reguengo do Fetal para Sul (calcários oolíticos no topo dos cabeços,
micríticos na escarpa de falha e na base, na margem do Vale da Moita Longa, as camadas de Alcobaça. (Foto: Pedro Pinto)
Os calcários oolíticos de Reguengo do Fetal (J2RF) são uma unidade lenticular no seio dos calcários micríticos da Serra de Aire biselando de Este para Oeste. Constituem, nesta área uma mancha alongada de orientação N-S. Na zona em apreço afloram próximo do v. g. do Caramulo e prolongam-se para Sul. São calcários oolíticos com peloides apresentando também bioclastos correspondentes a gastrópodes, lamelibrânquios, coraliários e equinodermes. O contacto com as camadas de Montejunto (J3CM) a NW é feito por falha e a W, com o retalho Cretácico, pela Falha de Reguengo do Fetal. Mais a Sul prolongam-se para lá do Cabeço do Poio e da Serra da Andorinha sobrepondo-se aos calcários micríticos de Serra de Aire. Nesta zona apresentam uma menor espessura (30 a 40m). O suave Vale da Quebrada atravessa toda a formação dando origem ao Vale do Malhadouro (já parcialmente nos calcários micríticos) que se desenvolve entre o v.g.d. do Rebelo e o Cabeço do Poio (400m) e ao vale fluvio-cársico que se desenvolve para Este.
Foto nº 4 – Pedreira sobranceira à povoação do Reguengo do Fetal em calcários oolíticos. (Foto: Pedro Pinto)
Na serra da Barrozinha o contacto das camadas de Montejunto (J3CM) é totalmente feito por falhas: a oriente pela falha do Reguengo do Fetal com os calcários oolíticos e a ocidente por uma falha com orientação NW-SE até ao lugar da Torre sendo aqui o contacto com os calcários margosos e margas das camadas de Alcobaça (J2AL). Nesta zona (lugar da Torre) uma falha com orientação W-E individualiza a Serra da Barrozinha, prolongando-se a formação para o lado Norte da falha.
As Camadas de Alcobaça (J2AL) afloram numa faixa alongada com orientação NNW-SSE apresentando, a oriente, os contactos já descritos e a ocidente são suprajacentes às camadas de Montejunto. Um corte litológico descrito na Noticia Explicativa da Carta Geológica 27-A de Vila Nova de Ourém realizado em Chão Preto (2km a Este da Batalha) refere a seguinte sucessão: margas, margas cinzentas, arenitos com fosseis marinhos e lacustres, margas xistosas cinzentas e margas cinzentas e avermelhadas.
Na parte oriental da povoação do Reguengo do Fetal sobrepõem-se, sobre estes sedimentos jurássicos e, em descontinuidade, sedimentos do cretácico inferior. Os conglomerados de Caranguejeira (C2-3CA) são um pequeno afloramento composto por arenitos grosseiros com tendência conglomerática cujo contacto a oriente é cortado pela falha do Reguengo do Fetal. Uma amostra, por nós recolhida no local, revelou um arenito fino e esbranquiçado (caulinite) com algum areão e pequenos seixos de quartzo (até 8 mm).
A existência de pequenos retalhos do Cretácico inferior nesta zona (povoação de Reguengo do Fetal e lugar da Torre, um pouco mais a Norte) tem na notícia explicativa da folha 27-A – Vila Nova de Ourém, na pág. 103 a seguinte descrição: «No caso concreto da Falha Reguengo do Fetal, o facto de o Cretácico inferior assentar diferencialmente sobre diferentes unidades litoestratigráficas do Jurássico superior, a teto desta falha, sugere a existência duma estruturação tectónica anterior à deposição do Cretácico inferior, ou seja, atividade da Falha Reguengo do Fetal durante o Jurássico superior. A Norte, este acidente prolonga-se para a área abrangida pela Carta de Leiria (23-C) onde surge coberto discordante pelos depósitos do Cretácico inferior, o que constitui outra evidência para a sua atividade durante o Jurássico superior. A atividade extensional da Falha de Reguengo do Fetal prolonga-se ainda após o Aptiano-Albiano, pois corta-o na zona da povoação com o mesmo nome».
LEGENDA:
a - Aluviões – Holocénico;
C2-3CA – Conglomerados de Caranguejeira – Aptiano - Albiano;
J3AL – Camadas de Alcobaça – Kimeridgiano;
J3CM – Camadas de Montejunto – Oxfordiano;
J2RF – Calcários oolíticos de Reguengo do Fetal – Batoniano;
J2SA – Calcários micríticos de Serra de Aire – Batoniano.
Mapa nº 3 – Excerto da carta geológica folha 27-A de Vila Nova de Ourém. Instituto Geográfico e Mineiro.
Neste caso o falhamento do Aptiano-Albiano pela falha de Reguengo do Fetal corresponde a uma separação vertical de aproximadamente 100m (MANUPELLA et al., 2000).
As aluviões (a) datadas do Holocénico encontram-se ao longo da bacia do Vale da Quebrada preenchendo os fundos dos vales e são geralmente associadas à dissolução do carbonato de cálcio das formações carbonatadas com retenção dos elementos insolúveis (argilas). Na sua composição ocorrem também sedimentos (siliciclastos) exteriores ao carso. A ligeira depressão entre a Serra da Andorinha e o Cabeço dos Picareiros apresenta composição semelhante. A terra rossa ocorre ainda atapetando o fundo das depressões fechadas e devido à sua composição maioritariamente argilosa apresenta reduzida permeabilidade.
A abundância de depósitos de areias e a grande facilidade na sua remobilização, eventualmente para galerias inferiores, na gruta do Buraco Roto, levaram-nos a dar uma maior atenção à sua origem e proveniência.
A uniformidade granulométrica destes pequenos gãos de quartzo (areias) que se encontram, em quantidade, mesmo nas zonas mais interiores da gruta sugere um aporte quer por gravidade quer como carga de fundo arrastada ao longo das condutas subterrâneas geralmente pouco inclinadas.
Duas das possíveis formas do aporte subterrâneo de sedimentos detríticos em função de fluxos ou escorrências hídricas nesta região poderão ter sido:
A – Aporte em grande escala através de sumidouros. Para se verificar a ocorrência desta condição seria necessário um nível base muito alto para possibilitar drenagens superficiais ao longo do Vale da Quebrada (Vale da Formosa e Vale da Seta).
B – Aporte em pequena escala mas muito dilatado temporalmente até ao arrastamento seletivo (granotriagem) em profundidade através de fendas, fraturas e/ou diáclases de uma boa parte do depósito superficial em função das aberturas disponíveis e da evolução das pequenas condutas subterrâneas. São normais as fases sucessivas de acumulação e remobilização em função dos fluxos com passagens pontuais a outras condutas em níveis inferiores.
Fig. Nº 5 – Duas das formas possíveis de aporte de areias e pequenos clastos: A – Sumidouro, B – Deslocação em profundidade
por gravidade com arrastamento pelas águas infiltradas. Adaptado de: FERNANDEZ, E. (1995)
Há referências recolhidas, na zona, sobre a existência de antigos pequenos sumidouros (vertentes Norte do Vale da Quebrada). Em alguns caminhos declivosos observam-se locais de infiltração rápida, no solo cascalhento, quando ocorrem precipitações intensas.
A existência de depósitos siliciclásticos cobrindo um carso primitivo parece ser uma explicação plausível em como a origem destas areias poderá resultar, logo desde uma fase inicial, de um aporte em profundidade de parte de um eventual depósito de cobertura superficial.
A proveniência desse depósito de cobertura com seixos, grãos de areias e terra rossa é, no entanto, de explicação e datações complexas. Existem várias referências bibliográficas onde a sua origem poderá ser enquadrada:
a) Aluviões transportadas por correntes vindas do Maciço Antigo (MARTINS F. 1949 – Pág. 118) - «Mais sobressairá o agente de aplanação deste nível das Pias ao fazer-se a necessária referência aos depósitos superficiais siliciosos que outra coisa não podem ser, dada a natureza do material e seu grau de rolamento, senão aluviões transportados e aqui depositados por águas vindas do Maciço Antigo. Ora, na Cabeça da Barreira (505m), numa ligeira depressão afeiçoada no calcário, está um resto deste depósito grosseiro à altitude de 499 metros; alguns km a NE um outro resto está a cerca de 480m, na Giesteira, e calhaus esparsos encontram-se ainda em alguns outros cabeços; e como em todos esses locais o biselamento das camadas é patente, e porque no nível mais talhado repousa uma formação aluvial continental, não vejo possibilidade de refutar-lhe a origem fluvial».
b) Depósito do tipo siderolítico (MARTINS F. 1949 – Pág. 120/121) - «Como ponto de partida consideremos agora um outro depósito de natureza siliciosa, cujos restos esparsos não constituem afloramentos contínuos, antes aparecem um pouco por toda a parte, metidos nos fundos da rocha e em pequenas depressões, ou misturados na terra rossa das dolinas e vales carsificados: trata-se de uma formação semi-aluvial, semi-eluvial que inclui areias quartsozas amarelo-doiradas, calhauzinhos bem rolados de quartzo, pisólitos de limonite, argilas vermelhas, embalando grãos de areia, e arenitos ferruginosos.»
MARTINS (1949) considera estes depósitos do terciário (Paleogénico) embora admita que podem ser mais antigos.
c) Relação entre os depósitos descritos em a) e b) (MARTINS F. 1949 – Pág. 122) – «o depósito, cujos restos se encontram na Cabeça da Barreira, na Giesteira e outros locais do Planalto de S. Mamede, parece posterior à formação siderolítica – e como esta datará dos fins do Eoceno ou da primeira parte do Oligoceno, evidentemente as aluviões são, em todo o caso oligocénicas.»
d) Rebordo interior de uma superfície de abrasão marinha (DAVEAU S. 1973 – Pág. 25) «A vertente ocidental da Serra dos Candeeiros constitui o rebordo interior de uma superfície de abrasão marinha, considerada como pliocénica.» Refere ainda que «calhaus perfeitamente rolados se encontram a diversas altitudes, situando-se o retalho mais alto, o da Pia da Serra, a 350m de altitude». Embora esta referência se reporte a uma localização distanciada de alguns km para Sul e numa parte do MCE com evolução tectónica diferenciada pode constituir um indicador aproximado da importância da altitude a que chegou a influência marinha no rebordo ocidental do MCE.
e) Natureza e significado dos depósitos (FERREIRA et al.,1988 – Pág. 12 e 13) - «Há todas as transições entre uma terra rossa quase pura, com fraca contribuição detrítica, até depósitos grosseiros avermelhados, constituídos fundamentalmente a partir dos arenitos e conglomerados do Cretácico. A ideia de uma cobertura siderolítica, resultante da destruição de velhos perfis lateríticos ou fersialíticos elaborados no maciço antigo e denunciando uma importante fase rexistásica, é muito interessante e até provável; já pode ser mais discutível o significado da cascalheira siliciosa «oligocénica», que parece claramente residual. Em todo o caso, vestígios dela existem nalguns pontos altos, o que mostra, pelo menos, uma exumação incompleta dos calcários»
f) Plataforma marinha (FERREIRA et al., 1988 – Pag. 14) - «A morfologia regional não parece favorecer a ideia da existência de uma plataforma litoral mais alta do que a de S. Jorge; mas não se pode deixar de considerar a possibilidade de um soerguimento do Maciço, em relação às áreas circundantes, durante o Quaternário. Este levantamento recente encontraria uma prova decisiva, até hoje não confirmada, se se observassem retalhos de depósitos marinhos ou fluvio-marinhos no interior do Maciço. Encontram-se aqui areia e seixinhos de quartzo com elevado índice de arredondamento, mas eles fazem parte do depósito siderolítico, na terminologia de A. FERNANDES MARTINS, e devem certamente o elevado grau de desgaste à circulação em condutas subterrâneas». Como termo de comparação refira-se que o planalto pliocénico de S. Jorge não chega a atingir os 200 metros.
g) Síntese das sucessivas fases deposicionais na zona central de Portugal (a linha de costa reporta-se aproximadamente à zona entre Aveiro e Nazaré) – Mais focada nas bacias do Mondego e Alto Tejo é uma síntese importante, territorialmente mais ampla e abrangendo um tempo geológico suficientemente dilatado para permitir enquadrar no contexto geral, embora marginalmente, a área do nosso trabalho.
Evolução paleogeográfica da área emersa de Portugal Central, desde finais do Cretácico até finais do Placenciano esquematizada e descrita na figura a seguir (CUNHA 1996).
Fig. Nº 6 – Evolução paleogeográfica da área emersa de Portugal Central, desde finais do Cretácico até finais do Placenciano.
LEGENDA: 1 – marinho; 2 – ambiente de transição; 3 – planície aluvial, 4 – área de não sedimentação,
5 – principal eixo de drenagem, 6 – rio entrançado, 7 – leque aluvial, 8 – falha ativa, 6 – diapiro.
A) Campaniano final a Maastrichtiano: leques aluviais peridiapíricos e sistemas fluviais arenosos e meandriformes drenando, para NW, uma planície costeira.
B) Paleocénico a início do Ipresiano: o bordo da bacia localizava-se, provavelmente, mais para ocidente, com a planície costeira ainda drenada por rios meandriformes.
C) Eocénico médio a final: rejogo de falhas NNE-SSW e NE-SW, intensa erosão do soco hercínico e grande extensão das áreas sedimentares; leques aluviais endorreicos na Bacia do Baixo Tejo e sistemas fluviais entrançados na Bacia do Mondego, a drenar para o Atlântico.
D) Miocénico: em ambas as bacias sedimentares, sistemas fluviais arenosos drenavam para estuário.
E) Miocénico final a Zancleano: intensa compressão expressa por falhas inversas NE-SW e desligamentos NNE-SSW, gerando-se leques aluviais no sopé de relevos em soerguimento.
F) Início do Placenciano: transgressão marinha muito penetrativa, apesar do abundante fornecimento siliciclástico expresso por extensos leques aluviais e rios entrançados areno-cascalhentos. A dissecação da Bacia terciária de Madrid (do Alto Tejo, Espanha) foi iniciada pela sua captura por sistemas fluviais da Bacia do Baixo Tejo.
h) A zona do atual litoral entre aproximadamente Aveiro e Setúbal na situação de inundação marinha – Reconstituição paleogeográfica e paleosedimentológica da área atualmente emersa de Portugal Central, na situação de máxima inundação marinha na transição Zancleano-Placenciano (CUNHA e MARTINS 2004).
Fig nº 7 – Legenda : 1 – área sem sedimentação; 2 – conglomerados aluviais, 3 – arenitos aluviais; 4 – sedimentos marinhos de transição;
5 – leque aluvial; 6 – principal eixo de drenagem fluvial; 7 – vale; 8 – fronteira espanhola;
M.C.E. – Maciço Calcário Estremenho; C.P.P. – Cordilheira Central Portuguesa.
Em jeito de conclusão apresentamos uma síntese recolhida em CUNHA et al, (2009) sobre as várias etapas da evolução geológica durante o Cenozóico em Portugal continental.
Até meados do Tortoniano a evolução esteve marcada por progressiva e lenta erosão do Maciço Hespérico, sob condições climáticas que favoreceram o aplanamento do soco e acarreio de areias felspáticas (clima semi-árido a subtropical com longas estações secas). Em finais do Miocénico e no Zancliano, sob clima temperado quente e muito contrastado, a sedimentação foi endorreica e expressa por leques aluviais no sopé das escarpas de falha ativas, principalmente falhas inversas NE-SW e desligamentos NNE-SSW. No Pliocénico superior, o clima temperado quente tornou-se muito húmido e desenvolveu-se uma rede hidrográfica exorreica, precursora da atual. No Plistocénico, a continuação do soerguimento tectónico regional e os períodos com baixo nível do mar foram determinantes no progressivo encaixe da rede hidrográfica e no desenvolvimento de capturas fluviais.
Em complemento dos efeitos descritos na pequena abordagem paleogeográfica apresentada e dos ocorridos no Quaternário (abordagem paleoclimática a ser publicada futuramente) regista-se ainda uma forte intervenção antrópica. A região deste nosso trabalho tem sofrido, e continua a sofrer, desde há várias décadas, uma intervenção humana extensível a quase todo o seu modelado superficial nomeadamente: agricultura nos espaços mais aplanados e de declive suave, alterações provocadas no terreno pelos importantes espaços utilizados no plantio de eucalipto, implantação de parques eólicos e respetivos acessos na maioria dos topos do relevo e ainda as explorações industriais de pedra.
A origem da areia destes depósitos no Buraco Roto é certamente a superfície mas o trajeto que os seus grãos percorreram mesmo só neste pequeno pedaço do território é ainda, e poderá continuar a ser, uma incógnita.
Alguns pormenores observados nas zonas mais interiores da exsurgência do Buraco Roto parecem indiciar uma evolução cársica bastante antiga. A existência, na zona, de um endocarso primitivo a alguma profundidade, mesmo que algo incipiente, seria explicada pela forte e diversificada ação tectónica local que, para além de provocar uma importante fracturação do calcário batoniano, possibilitou alguns períodos de emersão superficial ao longo da sua história evolutiva.
No Planalto de S. Mamede observa-se uma longa lacuna estratigráfica correspondente quer à interrupção da sedimentação, quer a fases de erosão neste local da Bacia Lusitânica entre o topo do Batoniano (aproximadamente 165 Ma) e o topo do Cretácico Inferior (Aptiano-Albiano a Cenomaniano; aproximadamente 100 Ma). A região terá estado predominantemente à superfície durante este tão longo intervalo de tempo geológico? Qual seria o aspeto do relevo nessa altura? Qual o papel dos paleoclimas durante tão longo período?
Para THOMAS (1985) o papel mais importante na evolução do endocarso no MCE é a deposição do final do Aptiano, “ Le CRETACE presente donc de larges affleurements dans l’ emsemble de la region et repose en discordance sur les calcaires du Jurassique qu’ il recouvre partiellement. Cette disposition est extremement importante pour l’ analise de la compréhension des ecoulements souterrains, du fait de l’ ecran hydrogeologique ainsi constitué.”
O enquadramento paleogeográfico desta parte do MCE recolhido bibliograficamente reporta-se, de um modo geral, a uma região mais ampla mas mesmo nestas circunstâncias proporciona alguns indicadores importantes.
A evolução da Bacia Lusitânica ocorreu desde o Triásico superior até ao Cretácico inferior (topo do Aptiano inferior) altura em que colmatou definitivamente. Durante este longo tempo geológico ocorreram várias descontinuidades sedimentares resultantes das alterações tectónicas regionais e do eustatismo global.
De acordo com KULLBERG (2000), pág. I 40 – “ A curva eustática global é, segundo B. HAQ et al (1988), desde o Jurássico inferior até ao Cenomaniano tendencialmente ascendente (subida do nível do mar). As principais inflexões encontram-se nos intervalos: Domeriano-Toarciano inferior, Toarciano médio-Aaleniano inferior, Bajociano superior- Batoniano superior (mostrando maior inflexão do que os anteriores), Titoniano- Valanginiano e Baremiano inferior- Albiano inferior (com pequena inflexão).”
Na descrição dos calcários micríticos de Serra de Aire MANUPELLA et al (2000) referem: “ Na região do Planalto de Fátima-S. Mamede, observam-se em diversos locais sequências cíclicas de calcários micríticos fenestrados, com gastrópodes (incluindo nerineídeos) e lamelibrânquios (incluindo megalodontídeos), separadas entre si por paleosolos (níveis centimétricos a decimétricos de calcretos laminares) e por paleocarsos (espessuras médias de 5 a 20 cm).”.
Uma lacuna estratigráfica muito importante separa sempre, em todo o MCE as formações do Oxfordiano das do Caloviano. Esta lacuna corresponderá a um período de exposição subaérea, durante o qual houve erosão dos níveis superiores precedentes COELHO (2002).
Durante o Jurássico Superior as condições climáticas permitiram o desenvolvimento de uma exuberante cobertura vegetal (posteriormente convertida em carvão) e de uma importante fauna terrestre da qual se evidenciam os dinossauros.
Independentemente da dimensão e intensidade destas referências recolhidas (especialmente a deposição cretácica) houve certamente algum tipo de evolução do Paleocarso. É pois no interior das grutas da região que eventualmente se poderão encontrar alguns indicadores dessa evolução.
AGRADECIMENTO
Agradecemos o prestimoso contributo da Profª. Drª. Ana Cristina Azerêdo do Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa sobre os aspetos paleoambientais primitivos nesta parte do MCE e ainda pelo esclarecimento de algumas dúvidas.
Raul Pedro
BIBLIOGRAFIA
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Bibliografia online
Sistema Nacional de Recursos Hídricos (SNRH).
Câmara Municipal da Batalha