Enquadramento do Buraco Roto - Parte 2 de 4

 

2.3 - Algumas observações da morfologia cársica superficial

Apesar de não ter sido ainda completada a prospeção superficial sistemática da Serra da Barrozinha, cabeço do v.g.d. de Pia e cabeço do v.g.d. do Reguengo por ser extremamente difícil devido ao denso coberto vegetal podemos no entanto referir algumas das formas típicas do modelado cársico superficial que foram observadas e que parecem ser de um modo geral as mais representativas e características desta parte da envolvente do Buraco Roto a Norte do Vale da Quebrada. Reportam-se ainda algumas outras formas interessantes distribuídas pela freguesia e em locais próximos.

Lapiás

Todos os campos de lapiás, até agora observados, são de dimensões visíveis reduzidas (abundante coberto vegetal) podendo apresentar variações de forma e tipo de cobertura em espaços pouco distantes uns dos outros não permitindo uma caracterização genética conclusiva. Por outro lado existem espaços consideráveis onde as formas superficiais se encontram parcialmente cobertas ou mesmo enterradas.

 

De acordo com RODRIGUES (2012) a metodologia da classificação das formas lapiares deveria apresentar como critério fundamental os processos que estão na sua génese acrescentando-se o tipo de cobertura e a forma de acordo com o quadro que se segue:

 

TIPOLOGIA

DAS FORMAS

Tipo de cobertura:

- enterrados

- semi-enterrados

- nus

Processos

Dissolução

Química

Bioquímica

Erosão

hídrica

Escorrência superficial

Escorrência subsuperficial

Figura Nº 2.2 - Classificação das formas lapiares (RODRIGUES, 2012)

 

  

Figura Nº 2.3 - A) Lapiás de dissolução intensa com sulcos de profundidade quase métrica.

B) Lapiás coberto com visivel preenchimento da fraturação existente nas bancadas.

C) Intensa fragmentação superficial possívelmente por gelifração.

D) Fragmentação superficial menos evoluida e lapiás parcialmente coberto.

E) Lapiás completamente coberto.

F) "Kammenitzas" alvéolos de dissolução superficial (Fotos: Raul Pedro)

Na vertente Oeste do v.g.d. do Rebelo observam-se à superfície, alinhamentos de calcários enquadráveis na tipologia de lapiás de agulha parcialmente enterrados que correspondem ao afloramento dos calcários entre as descontinuidades verticais paralelas e associadas à falha de desligamento que será descrita mais adiante.

 

Figura Nº 2.4 - Lapiás de agulha parcialmente enterrado. (Foto: Raul Pedro)

 

Ainda de acordo com RODRIGUES (2012) reporta-se um lapiás de caneluras e uma outra forma complexa resultante de forte ação de dissolução.

 

 

Figura Nº 2.5 - Lapiás de canelura e forma lapiar complexa em contexto de lapiás de agulhas. (Fotos: Raul Pedro)

Os campos de lapiás são certamente muito mais extensos e estarão dispostos ao longo dos setores mais suaves das encostas dos cabeços que circundam as recortadas depressões cársicas. Para lá dos abruptos vigorosos da escarpa de falha e do encaixe dos vales suspensos a suave harmonia deste relevo ondulado (a sul do Vale da Quebrada) só é alterado pelas cornijas que coroam a maioria dos cabeços evidenciando o nível de aplanamento do Patim pela similaridade das suas altitudes.

Cornijas

As cornijas calcárias mais representativas localizam-se no topo do rebordo da escarpa de falha de Reguengo do Fetal a Sul do Vale da Quebrada e nos cabeços próximos, a oriente da escarpa (Figura nº 2.6). O limite oriental das cornijas é a linha que une a Serra da Andorinha e o cabeço da Murada (incluído). Estas cornijas estão talhadas nos calcários oolíticos do Batoniano.

 

Figura nª 2.6 - Cornijas calcárias coroando os cabeços e, nos topos e encostas destes cabeços
os campos de lapiás parcialmente disfarçados pelo coberto vegetal. Imagem do Google Earth de 2005.

 

Têm geralmente um desenvolvimento bastante alongado apresentando esporadicamente ao longo do seu traçado locais com aspeto ruiniforme (quase sempre nas vertentes SW dos cabeços) ou, pontos mais conservados de desenvolvimento vertical mais expressivo (em geral nas vertentes NW dos cabeços). Estas últimas cornijas situam-se em geral no topo da escarpa de falha sendo apenas interrompidas pelo recorte dos vales suspensos ou de depressões ligeiramente entalhadas no rebordo da escarpa de falha. Algumas cornijas contornam parcialmente o topo dos cabeços apresentando bastante continuidade. No conjunto de todas as cornijas observam-se diferentes estádios de evolução, bastante semelhantes entre si:

 

a) Uma cornija principal, por ser a de maior desnível vertical e de maior desenvolvimento, situada a cotas próximas dos 430 metros nos cabeços mais interiores e próxima dos 400 metros no topo do rebordo da escarpa de falha a Sul do Vale dos Ventos.

 

b) Cornijas superiores (mais elevadas que a cornija principal) que formam bandas pouco expressivas de rebordos rochosos, em geral paralelos à cornija principal sendo a sua continuidade interrompida por zonas ruiniformes.

 

c) Cornijas inferiores (mais baixas que a cornija principal) de menor extensão nos cabeços do interior e mais extensas na vertente da escarpa de falha onde podem aparecer pequenos rebordos rochosos escalonados em altitude.

 

Figura nº 2.7 - Parte da cornija principal do Cabeço da Murada virada a NE. (Foto: Fernando Pires)

 

Um elemento comum a todas elas é a existência de partes que se assemelham a esporões provavelmente controlados estruturalmente por descontinuidade vertical. Este controlo é destacado pelo alinhamento desses esporões nas várias cornijas acima ou abaixo da cornija principal. São mais evidentes nos setores das cornijas principais expostos a N ou NW.

 

O aspeto típico deste modelado superficial estará fundamentalmente relacionado com a evolução quaternária das vertentes em que se desenvolvem. A desagregação mecânica dos rebordos mais ou menos verticais de rocha exposta, auxiliada por processos de dissolução, contribuirá para os desabamentos rochosos que os modelam e para os tapetes de clastos que juncam a sua base.

 

Dolinas

Na prospeção superficial, até agora realizada, nesta freguesia não foram observadas verdadeiras dolinas embora existam alguns locais relativamente aplanados que sofreram evidente ação antrópica quer na despedrega do solo quer na elevação artificial do bordo mais declivoso.

 

Figura Nº 2.8 - Zona aplanada próximo do topo da Serra da Barrozinha. A ação antrópica reduziu a inclinação
e a despedrega criou amplos rebordos laterais de clastos desorganizados. (Foto: Fernando Pires)

Estes espaços são meros aproveitamentos dos ligeiros declives junto ao topo nos cabeços mais aplanados ou entre cabeços ou ainda suaves rebordos alongados no início de encostas, em geral aproveitando as cabeceiras menos declivosas do topo de valeiros.

Figura Nº 2.9 - Aproveitamento do suave declive entre o topo dos cabeços para agricultura de sequeiro. (Foto: Raul Pedro)

Figura Nº 2.10 - Rebordo alongado na vertente a Sul da linha de água entre o v.g. do Caramulo
e o v.g.d. do Reguengo perto do topo do valeiro. A ação antrópica é também percetível mas de interpretação
mais complexa (aparente deslizamento de terras de zona superior). (Foto: Raul Pedro)

Em alguns locais, nas zonas marginais na envolvente da grande e recortada depressão entre a Serra da Andorinha, Cabeços da Murada e Picareiros, podemos encontrar, por vezes, zonas onde se pode observar um pequeno rebaixamento (a ação antrópica parece ter interferido com este tipo de evolução). Apresentam uma localização ligeiramente elevada em relação ao fundo da depressão que é evidenciada por um socalco.

 

Muito próximo do limite Sul da Freguesia de Reguengo do Fetal entre os cabeços da Murada e dos Picareiros localiza-se uma grande zona aplanada que poderemos considerar como uma verdadeira dolina (figura nº 2.11).

Figura nº 2.11 - Ampla dolina em concha no limite Sul da freguesia. (Foto: Fernando Pires)

No limite Este da freguesia e prolongando-se predominantemente para a Freguesia de S. Mamede encontra-se uma outra ampla área depressionada por onde se dispersa a povoação da Lapa Furada e envolvente (Covão do Espinheiro e prolongamento para Sul até à Barreira). Nesta zona observam-se algumas formas semelhantes às atrás descritas sendo a do Covão do Espinheiro (figura nº 2.12) a mais característica (ampla depressão individualizada e alongada ligeiramente mais elevada que a zona da povoação da Lapa Furada).

Figura Nº 2.12 - Zona aplanada a Este e SE do lugar do Covão do Espinheiro

Na parte SE da Lapa Furada ocorre também uma ampla zona depressionada onde se podem observar alguns locais ligeiramente rebaixados.

Figura Nº 2.13 - Zona mais baixa a SW da estrada que liga a Lapa Furada a S. Mamede. (Foto: Fernando Pires)

Na parte NW da povoação da Lapa Furada existe uma ampla dolina em concha, dolina de dissolução, de rebordos muito suaves. Mais encostado ao seu rebordo NW, na base do seu declive mais acentuado e, para o interior, abre-se um amplo espaço em celha quase circular e com aproximadamente 25 metros de diâmetro e 3 de profundidade (dolina de sofusão - RODRIGUES et. al. - 2007). A toda a volta foi feito um muro de pedra para suster o arrastamento de terra para a zona mais baixa. Segundo informações recolhidas no local este rebaixamento na zona mais central estaria relacionado com a abertura (há muitos anos) de um algar na parte mais profunda (Algar dos Porcos) por onde parte do solo teria sido engolida. A forte alteração humana efetuada no local camuflou a possível evolução natural.

Figura Nº 2.14 - Dolina da Lapa Furada na povoação da Lapa Furada. (Foto: Pedro Pinto)

Cavidades

Na Vertente Norte do Vale do Malhadouro existem algumas cavidades vulgarmente designadas por lapas. Uma de dimensão espetacular mas sem aparente desenvolvimento em profundidade é conhecida por Pia da Ovelha e está localizada na escarpa vertical que se prolonga ao longo da vertente próximo da sua parte mais elevada. Ligeiramente a Oeste uma estreita fenda vertical apresenta algum desenvolvimento mas não foi ainda explorada. Ao longo da parede há ainda outras fendas que são demasiado estreitas para se tentar a sua exploração.

 

Figura Nº 2.15 - Formas fluviocársicas a vários níveis ao longo da parede
mais abrupta da vertente Norte do Vale do Malhadouro. (Foto: Raul Pedro)

De acordo com RODRIGUES et. al. (2007) estas formas superficiais podem corresponder a antigas galerias subterrâneas ou estarem relacionadas com o trabalho de sapa das águas fluviais ou ainda resultarem de fenómenos de gelifração e carsificação diferencial. A Lapa da Furneca da Moura na base da mesma vertente e já no fundo do vale tem uma aparência muito mais modesta.

 

No bordo desta vertente escarpada abrem-se dois algares: um conhecido localmente por "Chaminé" e que comunica com uma das paredes de escalada a Oeste da Pia da Ovelha e o Algar do Cabeço Rebelo, em exploração, que se localiza bastante mais a Este e acima da Pia da Ovelha.

A meio da vertente Sul do Vale do Malhadouro e já no alinhamento com a escarpa de falha do Reguengo do Fetal localiza-se uma pequena gruta a Lapa dos Ossos.Mais acima e na escarpa vertical existem algumas estreitas aberturas ainda não exploradas. Junto a duas das estruturas do parque eólico instaladas nos cabeços a Sul desta zona localizam-se dois algares: Algar da Eólica nº 16 e Algar da Eólica nº 19. Junto à nº 16 existe uma pequena Lapa.

 

A NW do v.g.d.do Reguengo existe o pequeno Algar do Caramulo com uma possível comunicação a uma lapa na pedreira próxima (Lapa da Pedreira). Um pouco a Norte da povoação da Torre e ligeiramente a Este do lugar do Piqueiral localiza-se o Algar da Torre. O número e diversidade das cavidades referidas poderá aumentar visto que há ainda algumas desobstruções a realizar em locais com bastantes possibilidades.

 

A exsurgência do Buraco Roto junto à povoação do Reguengo do Fetal é a maior e a mais importante cavidade nesta zona. Note-se que na Freguesia de S. Mamede são notáveis algumas formas superficiais (dolinas e uvalas - Demó e Lagoa Ruiva) e abertas a ocos subterrâneos (Algar da Água e Gruta da Moeda).

 

Figura Nº 2.16 - Buraco Roto, Nascente da Loureira, Lapas (Pia da Ovelha e outras próximas),
Algares do Cabeço Rebelo e do Caramulo. Extrato da Carta Militar 1/25 000 de Porto de Mós.

 

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