Enquadramento do Buraco Roto - Parte 4 de 4

 

“"Já estou de saída mas, ninguém imagina por onde andei!!!”"

 

4 – Aspetos hidrológicos

 

4.1 - Bacias e redes de drenagem

 

Na parte norte e noroeste do MCE a configuração dos sistemas cársicos foi fortemente influenciada pela disposição estrutural, pelas características e orientação das descontinuidades e sua disposição macroestrutural. No entanto têm sido as condições ambientais o principal fator ativo na sua estruturação ao longo dos tempos geológicos mais recentes.

Na região são as bacias dos rios Lena e Lis que constituem as principais redes de drenagem. Desenvolvem-se a ocidente do bordo exterior do MCE mas ambos apresentam várias nascentes, nesse rebordo (exsurgências cársicas) ou próximo dele. No rio Lis pelo menos uma de entre elas é perene.

Figura Nº 4.1 -– Bacias hidrográficas e rede hidrográfica do Concelho da Batalha. ASCENSO (2011)

 

A sul-bacia da Ribeira do Rio Seco localiza-se a Este da bacia do Rio Lena. É paralela a esta e drena para o Rio Lis muito perto da sua exsurgência perene. Como o próprio nome indica uma grande parte do rio (Vale da Quebrada) está permanentemente seca devido à grande permeabilidade das rochas aflorantes sendo a circulação hídrica subterrânea. Na zona da povoação de Rio Seco uma elevada permeabilidade também o seca temporariamente. É vulgar considerar-se a nascente da Ribeira do Rio Seco em Reguengo do Fetal junto à base da escarpa de falha com o mesmo nome. Este topónimo da ribeira não corresponde à designação que consta na Carta Militar Nº 308 resultando possivelmente de uma alteração local para evitar confundir-se com uma outra ribeira afluente do Rio Lena (ribeira da Várzea).

 

Uma grande parte da bacia superficial da Ribeira do Rio Seco localiza-se a oriente da falha de Reguengo do Fetal a qual parece funcionar de forma semelhante a uma barragem alongada. Desta forma só quando, no interior do Planalto a água atinge uma cota mais elevada (acima da barreira considerada impermeável), nesta parte oriental, se observam drenagens substanciais, por exsurgências, junto à povoação de Reguengo do Fetal.

 

Já em 1962 o Eng. Vasco Mendes Sousa referia, em conferência sobre a aplicação da espeleologia no estudo de águas subterrâneas: “Do ponto de vista geo-hidrológico uma das principais consequências da carsificação dos calcários reside na progressiva concentração da sua circulação num muito redizído número de coletores mais ou menos profundos. Esta circulação vai substituindo a circulação primitiva através da rede densa e anastomosada dos calcários diaclasados e fraturados ainda não carsificados. Deste modo, enquanto os coletores vão crescendo a restante rede vai-se atrofiando”.

 

Acresce que no Buraco Roto se verifica, pelo menos ao longo das condutas já exploradas, uma grande mobilização de sedimentos detríticos possivelmente muito variável em localização e volume em função da ocorrência de situações de fluxo extremas. Este acarreio anual, por vezes substancial, parece não ter a expressão correspondente no exterior da cavidade. Desconhece-se qual a sua dispersão e possível acumulação em espaços inferiores no interior da cavidade.

 

Refere ainda o mesmo autor: “Com efeito, no estudo da utilização hidráulica dos maciços calcários há que resolver diversos problemas tais como o da capacidade de armazenamento da zona semi-húmida e da zona húmida a partir dos valores dos caudais exsurgentes ou extraídos e dos volumes de água infiltrados.

 

Uma avaliação preliminar expedita parece indicar, para a região, alguma diferença entre os valores atrás mencionados (o valor total das captações por furos ou outros processos relacionado com este tipo de mananciais é difícil de estabelecer).

 

Eventualmente a grande maioria das drenagens subterrâneas da zona oriental da bacia de alimentação definida superficialmente para a Ribeira do Rio Seco farão normalmente parte da bacia subterrânea do Rio Lis (exsurgência perene à cota de 80 metros). Os fluxos reportados em situações de precipitações extremas para o fundo do Vale do Malhadouro (190m) indiciam uma eventual drenagem subterrânea, a alguma profundidade, muito possivelmente por entre blocos e sedimentos depositados ao longo do seu curto talvegue os quais também se estenderão, eventualmente, ligeiramente para Este.

 

Alguns autores referem ainda a hipótese de drenagens ocultas, numa área mais ampla do Planalto de S. Mamede, em profundidade para a bacia do Tejo (através do Polje de Minde ou mesmo a maior profundidade) MANUPPELLA et al .(2000).

 

No interior do Planalto de S. Mamede poderão existir condutas subterrâneas interligadas com uma ou mais das condutas principais (drenagens para as exsurgências que alimentam o rio Lis) e possivelmente escalonadas a cotas ligeiramente mais elevadas que se interligarão à bacia principal por infiltrações substanciais com alguma duração (meses) ou por ocasião de precipitações extremas. Nestas condições é criada a possibilidade de importantes transvases marginais para pequenas condutas alternativas que mantêm possibilidades de drenagem independentes. A circulação nessas pequenas bacias secundárias (em tempos geológicos mais recentes) ao longo dos períodos anuais mais secos é fundamentalmente vadosa mas durante grande parte do ano ocorrem níveis suspensos preenchendo as condutas a níveis mais baixos (sifões). A ligeira inclinação para Este das bancadas dos calcários e a predominância de uma orientação NNE-SSW das descontinuidades quase verticais, nesta zona do bordo do planalto, favorecem essa possibilidade de acumulação (CARVALHO 2013).

 

É neste contexto que se enquadra a exsurgência do Buraco Roto localizada um pouco acima (190m) da base da escarpa. Na base da escarpa e a pequena distância a exsurgência da Loureira tem muito menor relevância.

Figura Nº 4.2 -– Permeabilidade relativa nas bacias do Lena e da Ribeira do Rio Seco. Estrela

vermelha - Fontes (nascente do Rio Lis); azul – Exsurgência do Buraco Roto. Fonte SNIRH. (ASCENSO 2011)

Para além do Buraco Roto a única observação espeleológica conhecida do nível das águas subterrâneas no Planalto de S. Mamede refere-se ao Algar da Água (-100m). THOMAS, (1985) refere que a cavidade se desenvolve 50 a 100 metros acima do nível base. A parte final conhecida é estreita e bastante colmatada com areias. A boca do algar abre-se a 360 metros de altitude.

4.2 – Condicionantes da evolução da rede de condutas

 

Nas imediações de Reguengo do Fetal destacam-se, de imediato, na paisagem os entalhes provocados na escarpa de falha por dois importantes vales abandonados: Vale da Quebrada e Vale dos Ventos. Estão ambos associados a extensas zonas ligeiramente deprimidas nesta parte Oeste do Planalto de S. Mamede respetivamente: Vale da Formosa, Vale da Seta e Covão da Carvalha para o Vale da Quebrada (vale fluviocársico) e a recortada depressão instalada no prolongamento da cabeceira do Vale dos Ventos entre as Serras da Andorinha (442m), Murada (498m) e Picareiros (497m) resultante do rebaixamento por dissolução efetuado ao longo de uma longa evolução criptocársica sob a cobertura detrítica do Cretácico (SPE, 2006).

 

De notar que na zona do terreno separada a norte pelo Vale da Pedreira e a sul pelo Vale da Quebrada se observa uma extensa área muito favorável à infiltração pluvial correspondente às suaves encostas e topo dos cabeços entre as cotas 350 e 415 metros. A sul do Vale da Quebrada é a cintura dos cabeços que envolvem a ampla e ligeira depressão atrás descrita com cota acima dos 400 metros que apresenta o maior potencial. Em ambas as zonas referidas a quantidade de água pluvial infiltrada será tanto maior quanto menor for a espessura do solo. Aqui a rocha à superfície, nua e fraturada em bancadas pouco inclinadas, constitui a superfície de infiltração por excelência. Enquadram-se nesta situação as superfícies aplanadas, em socalcos ou com amontoados de blocos nas explorações industriais de pedra. Nas áreas com coberto vegetal o sistema radicular das plantas cria caminhos para a passagem da água no solo. Nas zonas de maior declive a cobertura vegetal reduz a velocidade de escoamento superficial contribuindo para aumentar o volume da água infiltrada. Por toda a parte ocidental do Planalto e em zonas com algum declive e cobertas por solos com siliciclastos foram observados locais por onde a água se some ao fim de poucos metros de escorrência superficial (precipitações momentâneas mais intensas).

 

A Falha de Reguengo do Fetal tem funcionado, nas imediações da povoação e numa extensão mais vasta para sul como falha barreira. Estamos em presença de uma falha normal que apresenta a teto uma composição litológica bastante carsificavel: calcários oolíticos de Reguengo do Fetal (J2RF) que se sobrepõem a calcários micríticos de Serra de Aire (J3SA). Pelo contrário a muro afloram as camadas de Alcobaça (J2AL) com composições maioritariamente de calcários margosos e portanto bastante impermeáveis. A estas camadas sobrepõe-se o pequeno retalho Cretácico, já descrito, que devido á erosão superficial apresenta um relevo praticamente individualizado sendo atualmente a sua área de contacto com a falha pouco significativa (eventualmente bastante mais importante logo após a sua fase de deposição). As falhas de desligamento e as inúmeras descontinuidades associadas observadas nos calcários do Batoniano ao longo da vertente a teto da falha normal tornaram-se importantes locais de infiltrações rápidas. A capacidade de dissolução das águas infiltradas é bastante elevada e o fácil acesso à zona de escorrência vadosa possibilita o alargamento das descontinuidades verticais mais profundas. Os espaços ligeiramente alargados pela ação da água estão sujeitos à acumulação de sedimentos, mais perto da superfície ou arrastados em profundidade. Ocorrem preenchimentos totais como observado no que designámos por lápias de agulha, ou parciais (em zonas mais declivosas) por acumulação de detritos sobre clastos depositados nas partes mais estreitas. Num padrão de fracturação estreita, paralela, mais ou menos generalizado, e com acumulação de detritos, é potenciada a alguma profundidade a importância das juntas de estratificação na condução da água e organização da rede de condutas para níveis inferiores. O gotejamento intenso na Pia da Ovelha, próximo dos 290 metros de altitude poderá resultar de uma organização de escorrências, a nível mais elevado, como a descrita.

  

Figura nº 4.3 - Aspetos de condutas fósseis subverticais e verticais ao longo de descontinuidade

de maior importância. ( Fotos: Fernando Pires)

 

A infiltração rápida para zonas mais profundas é favorecida pela abertura de cada descontinuidade (distância entre os bordos), mesmo que ligeira, pelo curto espaçamento entre elas e pela sua orientação paralela. No interior, para além dos preenchimentos já referidos, dependerá da rugosidade e verticalidade das paredes e da profundidade do seu desenvolvimento.

Nesta zona, quer a norte quer a sul do Vale do Malhadouro as camadas tem a orientação N-S e uma inclinação de 10º para E. Esta atitude potencia a atuação das infiltrações mais substanciais, ao longo das fraturas e sobretudo sobre as juntas de estratificação intersetadas por elas nas suas zonas terminais. As juntas de estratificação (inicialmente de condutividade hidráulica reduzida) foram-se tornando, ao longo destes locais de mudança de direção das escorrências, progressivamente mais débeis (com espaços) potenciando a organização das condutas preferencialmente para zonas mais interiores do rebordo do Planalto e sensivelmente paralelas. A junção dos fluxos destas pequenas condutas juntamente com a pressão exercida pelas águas acumuladas em altura, nestes espaços muito confinados, vão preencher e atuar também sobre as várias descontinuidades existentes em estratos de calcários ligeiramente mais porosos ou mais fraturados.

 

Figura Nº 4.4 -– Aparente escorrência para o exterior na estreita conduta aberta em junta de estratificação

forte (fina) associada a fenda vertical/subvertical. Situação semelhante mas no interior de cavidade.

(Fotos: Fernando Pires e Raul Pedro)

Nas situações em que estes fluxos sejam mais importantes e frequentes estão criadas as condições para o alargamento progressivo dos ocos subterrâneos criando-se condutas estreitas (tipo cano do esgoto). Este tipo de evolução descrito reporta-se a um tempo geológico em que os níveis da água no exterior seriam mais altos do que os atuais provavelmente porque a fase final da elevação do maciço não teria ainda ocorrido.


Figura Nº 4.5 –- A “passagem do lançamento” é uma das mais importantes condutas na gruta do Buraco Roto podendo mesmo ter sido parte da conduta principal numa fase mais antiga da evolução da cavidade. A espessura do estrato em que se desenvolve é inferior a meio metro. As juntas de estratificação superior e inferior são fortes mas a pequena descontinuidade ao longo do teto possibilitou o desenvolvimento da conduta. Atualmente a conduta é semi-activa e a sua cota é de -10 metros (teto da gateira) em relação à cota de drenagem na entrada da gruta.

 

A inclinação dos estratos tem grande influência na estrutura de uma gruta. Na zona vadosa onde o fluxo está diretamente condicionado pela gravidade, as condutas tendem a seguir a inclinação dos estratos.

 

Na zona freática, onde o fluxo está condicionado pelo gradiente hidráulico, as condutas seguem frequentemente a direção dos estratos.

No contexto litológico, morfoestrutural e climático descrito e particularmente em função das alterações tectónicas locais a evolução, quer da zona da envolvente na entrada da gruta, quer da parte terminal do Vale do Malhadouro, ao longo da história geológica da região, assumem uma importância relevante.

 

No que respeita ao Buraco Roto e segundo informação recolhida localmente as primeiras águas apareciam antigamente na areia depositada na base dos blocos que obstruíam a galeria à esquerda da entrada. Só mais tarde escorriam do pequeno buraco a cerca de 4m de altura no topo da entrada atual. Nos anos 80 foram feitas escavações arqueológicas neste local revelando vestígios da idade do Bronze fazendo recuar para essa altura as prováveis primeiras intervenções humanas neste local.

 

Note-se que à direita da entrada da cavidade se observa uma passagem, de grande dimensão, escavada na encosta e transversal à direção inicial da gruta fazendo supor o contacto com um amplo tampão de rochas. Este seria posteriormente exumado ou poderia ser o prolongamento em altitude dos calcários fraturados no bordo da falha de Reguengo do Fetal, entre os primeiros ressaltos da cascata e as imediações da entrada atual, numa antiga fase da sua evolução tectónica, ou as duas hipóteses conjugadas. Mesmo considerando esta possibilidade era muito provável que a cavidade transversal se desenvolvesse ao longo de uma descontinuidade quase paralela ao espelho de falha e a curta distância para o interior. A galeria que se desenvolve para NNE à entrada do Buraco Roto seria o seu prolongamento.

Na nascente da Loureira a água aparecia sempre mais tarde.

 


4.3 – Particularidades das condutas internas do Buraco Roto

 

Os aspetos que temos vindo a referir reportam-se à escorrência ao longo da zona exclusivamente vadosa embora as últimas  descrições já se incluam na zona considerada semiactiva. Na atualidade as partes de galerias que poderemos considerar vadosas e acima do nível de cheia estão limitadas, na parte mais interior do Buraco Roto, a três locais: O mais reduzido é a cúpula da Stone Age que poderá em cheias extremas ficar mesmo muito reduzido, o segundo em termos de desenvolvimento é a galeria final a sul do “S de Senna” (Fig. Nº 4.6 A), esta classificação reporta-se a uma evolução um pouco mais recente já que a quantidade de argilas, coladas nas paredes ascendentes, são um indicador de tempos em que um nível de refluxo chegava a esta altura (Fig. Nº 4.7), o terceiro local parece ser o único a apresentar desenvolvimentos predominantemente acima do nível de cheia (Fig. Nº 4.6 B) e corresponde ao desenvolvimento ascendente para Sul da cabeceira do poço da Virgem Traiçoeira (Fig. Nº 4.7).

Figura Nº 4.6 -– Desenvolvimentos em planta e perfil  das atuais zonas mais elevadas: A - predominantemente vadosa; B - zona com partes superiores possívelmente exlusivamente vadosas. (Topografia CEAE-LPN).

   

Figura Nº 4.7 -– À esquerda foto da galeria a sul do “S de Senna”. À direita cabeceira do poço da Virgem Traiçoeira. (Fotos: André Reis).

Na gruta do Buraco Roto é particularmente importante a relação dos níveis de cheia atuais e os vestigios mais antigos nas suas condutas para se tentar compreeder a forma como a cavidade tem evoluido. Nesta perspetiva vamos documentar os principais aspetos evolutivos identificados procurando esclarecer a forma como se foram desenvolvendo. Nesta descrição não tentaremos abordar nem  relacionar esta evolução com o efeito de  abertura da entrada da gruta nos anos 50 do século XX apesar de ter sido muito importante na alteração dos níveis hidrológicos mais internos em situação de cheia.

A definição da zonação hidrológica foi adaptada de BOGLI (1980) e apresenta-se no esquema da Fig. Nº 4.8.

 

Figura Nº 4.8 –- Adaptação local às zonas cársicas hidrológicas definidas por BOGLI (1980).

A definição dos vários níveis é meramente ilustrativa.

 

Uma das particularidades mais frequentes ao longo do desenvolvimento de toda a gruta do Burago Roto é a ocorrência de inúmeras chaminés, em geral, com desenvolvimento vertical apreciável. A sua evolução continua em lento desenvolvimento e quase todas poderão ser incluidas na evolução de cúpulas por dissolução. O modelo teórico de ORTIZ (1995) explica a maioria das variantes observadas.

Figura Nº 4.9 - Evolução das cúpulas de dissolução em antigas zonas freáticas. A – Fase primitiva no início; B – Fase evoluída; C – Fase atual (8 metros de altura). Cada chaminé só continua a evoluir, como cúpula de dissolução, quando o nível piezométrico ultrapassa o seu topo. Adaptado de ORTIZ, F. (1995).

 

  A formação de cúpulas de dissolução que são ocos ascendentes resulta do aumento da dissolução/corrosão provocada pela mistura de águas, uma proveniente de infiltração superior e que por gravidade chega à conduta freática e a outra da própria conduta e sob pressão hidrostática. 
Este tipo de cúpulas pode não ser pontual e ter desenvolvimento complexo em função da maior ou menor quantidade de infiltrações e da distância ou alinhamento entre elas. O desenvolvimento vertical pode ultrapassar as dezenas de metros.
Podem ocorrer, em profundidade cúpulas com uma origem e formação diferente: formam-se pela acumulação de ar que sujeito a altas pressões durante as cheias acidifica a água na envolvente superior potenciando a dissolução nesse perímetro da cúpula.


 
 

 

Pelo menos uma das cúpulas em evolução por dissolução a alta pressão pode ser observada no Buraco Roto (Fig. Nº 4.10 Foto da direita). Neste local observa-se também um outro efeito importante das altas pressões: Os buracos na rampa de argila do chão (Fig. Nº 4.10 - Foto da esquerda).

  

Figura Nº 4.10 -– Uma abóboda sem fissuras. Na zona mais elevada da cúpula o provável resultado de várias

situações de dissolução resultantes das altas pressões.No chão buracos na argila. (Fotos: André Reis).

 

  

Figura Nº 4.11– - Buracos resultantes da pressão exercida localmente. Talvez devido a um pequeno oco

entre blocos soterrados por argila. Nem a plasticidade da argila suportou a elevada pressão. (Fotos: José Ribeiro).

Alguns metros à frente a argila poderá estar acumulada sobre uma pequena passagem ou um oco de maiores dimensões. A dimensão do buraco maior e o arredondamento na envolvente sugerem uma eventual drenagem por este local.

 

Figura Nº 4.12 -– Outro efeito da pressão sobre uma cobertura de argila. Neste caso já é

mais substancial o volume de argila engolido pelos dois buracos (Foto: André Reis).

Outra particularidade da evolução de algumas chaminés ao longo do desenvolvimento do Buraco Roto é a constatação de que por algumas delas se mantêm temporáriamente pequenas escorrências vadosas depois do escoamento dos níveis de cheia. Após a bombagem do sifão em Maio de 2015 e na Passagem da Lengalenga observou-se uma pequena escorrência provavelmente mais prolongada pois ainda havia um pequeno débito que tem escavado, ao longo dos anos um estreito e suave afundamento do pequeno leito da mesma. Mais à frente a escorrência da chaminé de 13 metros antes da Passagem do Caos ainda estava a escorrer de forma continuada embora com pequena quantidade de água. Mais no interior da gruta e imediatamente a montante da Passagem do Lançamento observou-se a maior escorrência de todas que alimenta um pequeno lago (zona da coluna).

Figura Nº 4.13 -– O poço de 11m a chaminé de 13m e lago a seguir à Passagem do Lançamento são os

três locais que em Maio de 2015 ainda apresentavam escorrência vadosa. (Topografia CEAE-LPN).

 

 

Figura Nº 4.14 -– Saída da Passagem da Lengalenga e lago próximo da Passagem do Lançamento.(Fotos: André Reis)

Não foram observadas mais escorrências vadosas e em especial em qualquer das zonas que considerámos na descrição da Figura nº 4.6. Possivelmente por desfazamento temporal (secagem) já que não eram zonas onde ocorressem pontas de exploração prioritárias.

 

Ao longo das explorações de 2014 e 2015 no Buraco Roto a prioridade foi sempre dada às desobstruções que aparentavam um mais rápido crescimento do desenvolvimento provável da gruta. Apesar de alguns esforços realizados à ultima da hora (probabilidade de sifonamento da gruta no inverno) não foi possível esclarecer de forma inequívoca qual o trajeto da conduta principal (antiga e atual) em dois pontos importantes da cavidade. As últimas explorações já mesmo no fim do ano foram dedicadas à ligação entre o meandro da Virgem Traiçoeira e a Passagem da Cabeça do Crocodilo. Não foram conclusivas pela pequena dimensão das passagens a montante da Cabeça do Crocodilo .

Figura Nº 4.15 -– Pequena galeria para o interior da Passagem da Cabeça do Crocodilo (181m). (Topografia CEAE-LPN)

 

Esta pequena galeria apresenta dois locais ascendentes sendo provavelmente a chaminé de 6 metros o local de ligação ao ponto onde o estreitíssimo leito inferior do rio que prolonga o meandro da Virgem Traiçoeira para nível inferior, deixa de ser penetrável. É novamente um indicador fortuito a confirmar este ponto de transvase. Vislumbrava-se por entre os blocos entalados, um pouco abaixo, nessa fenda, mais uma garrafa provavelmente esquecida na zona interior da gruta.

 

 A segunda zona, bastante mais complexa, é a eventual ligação entre a sala a jusante da Passagem do Lançamento (-12m) e a “gruta velha” (zona a -15 metros localizada abaixo da Passagem da Lengalenga - jusante) (ver fig. Nº 4.16). A ligação obvia é a subida da água até à Sone Age e a continuação pelo traçado aberto entre os dois locais. Aparenta ser a conduta principal atual mas há uma questão importante que não fica esclarecida. Não é esse o trajeto das importantes quantidades de areia que pelo menos aparentemente passam da zona interior para a “gruta velha”. Vai ser precisa uma observação cuidada na envolvente da sala a jusante da Passagem do Lançamento e em toda a subida e cimo da Stone Age. As observações realizadas sobre os aportes e movimentações das areias no interior da gruta vão ser descritas mais à frente.

 

Outro aspeto relacionado com a drenagem principal pela Stone Age que mereçe uma maior atenção é a existência de zonas muito estreitas e aparentemete sujeitas a obstruções quase completas que tivemos de desobstruir. Há alguns indicadores de que eventualmente foram colmatações quase efetivas. Infelizmente não foram documentadas fotográficamente antes de serem desobstruidas para se perceber quão abertas estavam as passagens. A zona intermédia do poço de 4m e o canto descendente da sala a seguir são zonas muito propícias a deslizamentos de argilas e blocos em caudais de cheia ou no abaixamento do nível interior.

 


Figura Nº 4.16 –- Projeção topográfica 3D representando a antiga parte terminal da gruta e o início da parte nova explorada em 2014:

A –- Passagem da Lengalenga (desobstrução vertical inicial), B -– Ponto de cota mais baixa ao longo da progressão principal (-15 m),

C –- Local mais elevado, da parte inicial da cavidade (+15 m), D –- Escalada de 11 metros, E -– Passagem do Caos, F -– “Stone Age” (chão a 192 m).

As linhas finas azuis delimitam a área de possíveis condutas desconhecidas para a parte antiga. As linhas vermelhas, os locais dessas eventuais ligações.

A figura está orientada segundo o sentido da progressão para o interior.

A seguir à base do poço de 4m está localizado o ponto de desobstrução que ainda apresenta alguma colmatação mais consistente em volta (desobstrução 2014 – Fig. 4.17 fotos central e direita).

    

Figura Nº 4.17 - Cabeceira do Poço de 4 metros e o ponto de desobstrução no canto da sala no fundo do poço.

O outro local que suspeitamos também tenha estado quase completamente colmatado é a Passagem do Caos. Embora a inclinação da Stone Age para este lado seja menos expressiva o sentido da corrente acompanha essa descida pelo que a deslocação de sedimentos poderá ter sido variada e incluir o rolamento de pequenos clastos. A observação que consideramos mais importante dessa eventual ocorrência é a evolução posterior na galeria descendente a jusante da Passagem do Caos. Desenvolveram-se variadíssimas formas de reconstrução com tamanhos apreciáveis, sobre um manto de argila. Posteriormente sofreram um desmantelamento completo por falta de base de sustentação devido à erosão da argila por forte corrente. A coluna da foto da direita ilustra a evolução em pelo menos dois depósitos de argila diferentes e com desfasamento temporal. O desenvolvimento da estalagmite sobre o segundo depósito, mais elevado, foi também mais prolongado.

 

Figura Nº 4.18 -– Devastação provocada pela erosão de argilas sob mantos calcíticos

onde se desenvolveram importantes formas de reconstrução. (Fotos: José Ribeiro e André Reis)

Outra ocorrência frequente em locais de menor cota interna desta gruta são as zonas de conduta com formas típicas de evolução paragenética (desenvolvidas em condutas freáticas). Não existindo ao longo da gruta zonas sujeitas, atualmente, a uma corrente continuada ela ocorre ao longo de uma parte variável do ano em função das quantidades e periodicidade das precipitações ocorridas no Planalto de S. Mamede. Outro fator muito variável e que é determinante para este tipo de pequena continuação evolutiva é a variação da acumulação local de areias. Nos espaços cobertos pela areia não há praticamente dissolução.

  

Figura Nº 4.19 -– Evolução paragenética de tetos por dissolução e erosão. Quando há maior acumulação de detritos

a drenagem pelas condutas estreitas é muito intensa e a erosão passa a ter um papel mais expressivo.

Esquema adaptado de FERNANDEZ (1995). (Fotos: André Reis e José Ribeiro)

 

A evolução paragenética ao longo de condutas desenvolvidas em função das juntas de estratificação pode ter como resultado a evolução no estrato superior de caneluras tipo “lapiás inverso”. Serão mais desenvolvidas nos casos em que o preenchimento por detritos entre o extrato superior e inferior for total ou quase total. O extraordinário desenvolvimento destas formas pendentes foi o resultado de uma antiga evolução da conduta principal da gruta em condições de circulação freática com preenchimento de sedimentos até ao teto.

Figura Nº 4.20 -– Caneluras de erosão no teto formadas em conduta freática

com preenchimento de sedimentos maioritariamente detríticos até ao teto. (Foto: José Ribeiro)

Como nota conclusiva desta pequena abordagem pontual de natureza genética e em face das dificuldades de interpretação encontradas foi realizada entre Outubro de 2015 e Setembro de 2016 uma monitorização com a colocação estratégica de pequenas boias a fim de se procurar identificar o funcionamento da circulação hídrica no interior da gruta e quais os níveis atingidos.


4.4 Observações recentes de níveis da água e depósitos no Buraco Roto

Remonta a 2010 a nossa verificação periódica dos níveis da água no interior da cavidade e da sua eventual drenagem para o exterior.

Numa visita a 29/11/2014 tivemos a sorte de poder observar, às 10 h da manhã, que o nível da água na entrada da cavidade se encontrava a poucos centímetros de iniciar a escorrência (a cota do início do vazamento por escorrência é de 190 m). Após um bom tempo de espera e como não se detetasse variação do nível abandonamos o local para ir efetuar outros trabalhos. Por volta das 16 h voltamos de novo e já havia uma bela cascata a correr pelos ressaltos.

  

Figura Nº 4.21 - Nível às 10 h do dia 29/11/2014 (190,50m) e escorrência às 16 h desse dia. (Fotos: Pedro Pinto)

 

Na visita seguinte a 08/12/2014 constatou-se que a drenagem tinha parado e que o nível da água já tinha recuado no interior da cavidade até próximo do primeiro ressalto (cota 188 m).

Na verificação do nível da água efetuada em 28 /12/2014 constatou-se que esta tinha baixado até ao nível da entrada para a galeria da esquerda. Neste local observou-se a escorrencia de um pequeno fio de água para  essa galeria descendente (ligação a 177 m) e com origem no interior da gruta.

Em 10/01/2014 o nível da água tinha baixado cerca de um metro em relação ao nível observado em 28/12/2014.

Um facto importante a referir diz respeito à insignificante (praticamente nula) precipitação desde o início de Dezembro de 2014 e até às primeiras semanas de Janeiro de 2015.

Figura Nº 4.22 -– Perfil parcial do levantamento topogáfico da cavidade. (Topografia CEAE-LPN).

 

Em todas as observações a água apresentava uma limpidez perfeita o que indicia, nesta situação, uma elevação de nível feita por fluxo lento, sem argilas depositadas ao longo das condutas e,  provávelmente, com um trajeto (ocos a preencher) longo ou com partes de fraca permeabilidade por acumulação de areias (tempo de espera para verificar elevação do nível a 29/11).

Na sequência de um extenso período (até Maio de 2015) em que ocorreu fraca pluviosidade e depois de se detetar que a variação do nível da água no troço sifonado da galeria era práticamente nulo optamos pela realização de uma bombagem a fim de determinar o comportamento da circulação hídrica neste local. Uma estimativa volumétrica do oco submerso conhecido aproximava-se dos 9m3.

Figura Nº 4.23 -– Perfil parcial do levantamento topogáfico da cavidade representando a

antiga parte terminal da cavidade. (Topografia CEAE-LPN).

A bombagem realizada a 23 de Maio de 2015 permitiu abrir a passagem para as zonas interiores mais elevadas mas, também, verificar que a -15 metros, local mais profundo da galeria sifonada, não foi observado qualquer fluxo proveniente das descontinuidades existentes na zona. O volume da água bombeado foi estimado  em 6m3.  Após a completa drenagem do espaço só foi observado um gotejar continuo proveniente da zona ascendente desobstruida (passagem da Lengalenga) bem como de um recanto na zona mais elevada a oeste. Na manhã seguinte, aquando da passagem no local para a continuação da exploração na parte mais interior da gruta, o nível de água no chão tinha somente subido alguns centimetros. Após os trabalhos do dia e na passagem para a saída não foi observada variação posterior apreciável do nível da água no chão.

 

Em 9 de Janeiro de 2016 verificou-se que a passagem para o interior da gruta estava sifonada correspondendo o volume da água a cerca de 9 m3. Em visita, no dia seguinte não foi detetada qualquer movimentação aparente do nível.

Figura nº 4.24 –- Perfil parcial do levantamento topogáfico da cavidade representando sua antiga parte terminal

com a representação do nível de água observado no início de Janeiro de 2016. (Topografia CEAE-LPN).

 

Esta observação requer uma análise mais pormenorizada e cuidadosa pois poderá corresponder a uma particularidade singular bastante difícil de comprovar. Referimo-nos à suposição de que constitui um local de acumulação de escorrências maioritariamente provenientes da superfície. Este volume substancial resultaria de organização e condução para esta zona mais profunda das águas infiltradas ao longo da grande extensão das descontinuidades paralelas observadas à superfície (situação mais evoluída e organizada do que a descrita em 4.2).

No dia 20 de Fevereiro de 2016 registou-se uma dos maiores débitos dos últimos anos na Exsurgência do Buraco Roto. As imagens que se seguem são bastante ilustrativas.

Figura nº 4.25 -– Um caudal notável na saída do Buraco Roto. (Foto: André Reis)

Aparentemente parece não haver qualquer relação, no interior da escarpa do Reguengo, entre a conduta que drena pela exsurgência do Buraco Roto e a que drena pela nascente da Loureira. Pela foto que se segue podem ser apreciados os dois débitos e a diferença na limpidez da água.

Figura nº 4.26 -– Caudal na nascente da Loureira (exsurgência). (Foto: André Reis)

Na nascente da Loureira a água é mais límpida e o débito substancialmente menor. Com cota a nível bastante inferior (180m) mas muito próxima do Buraco Roto não podemos excluir uma eventual ligação entre as duas condutas embora em zona bastante interior. Para se verificar perda de carga hidráulica é necessário haver alguma distância e um eventual preenchimento quase total, por areias, da conduta inferior ou mesmo total em amplas zonas. Só nos é possível verificar o resultado final da aplicação da lei de Darcy.

Outro aspeto importante a registar na drenagem de Fevereiro de 2016 é a altura a que o nível da água subiu. A comparação feita por fotografia em seca e depois em cheia a 14-02-2016 (ponto de referência tijolo vermelho) revela uma subida do nível de transvase na saída de cerca de 30cm.

 

Figura nº 4.27 -– Documentação fotográfica da diferença de nível verificada em Fevereiro de 2016. (Fotos: André Reis)

 

A importancia deste pequeno aumento de nível não é irrelevante, como iremos constatar pela monitorização com boias realizada entre 2015 e 1016.

BIBLIOGRAFIA

 

ASCENSO, V. P. (2011) – Análise da ocorrência de cheias e deslizamentos de vertente no Concelho da Baralha. Universidade de Lisboa. Instituto de Geografia e Ordenamento do Território, Lisboa.

 

BOGLI, A. (1980) – “Karst Hydrology and Physical Speleology”. Springer-Verlag Berlin Heidelberg New York.

 

CARVALHO, J. M. S. (2013) – Tectónica e caracterização da fracturação do Maciço Calcário Estremenho; Bacia Lusitaniana. Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Lisboa.

 

FERNANDEZ, E. (1995) – “La sedimentacion detrítica en el Karst” – Publicação coletiva da Federação Espanhola de Espeleologia, Badalona. p. 98-109

 

MANUPPELLA, G.; ANTUNES, M. T.; ALMEIDA, C.; AZEREDO, A.; BARBOSA, B.; CARDOSO, J.L.; CRISPIM, J.; DUARTE, L.V.; HENRIQUE, M. H.; MARTINS, L.; RAMALHO, M.; SANTOS, V. &

 

TERRINHA, P. (2000) – “Carta Geológica de Portugal na escala de 1/50000”. Not. Explicat. Da folha 27-A, V. N. de Ourém. Inst. Geol. E Mineiro, p.109.

 

ORTIZ, I. (1995) – “Hidrologia Karstica”. Introdução à Geologia Karstica – Publicação coletiva da Federação Espanhola de Espeleologia, Badalona.

 

SPE – Secção de Ambiente da Sociedade Portuguesa de Espeleologia (2006) – Processo de Avaliação de Impacte Ambiental nº 1493. Lisboa

 

SOUSA,V. M. (1962) – Casos de aplicação da espeleologia ao estudo de águas subterrâneas e a problemas de Engenharia. Técnica (Revista de engenharia dos alunos do Instituto Superior Técnico). nº 323. Lisboa 213-220.

 

THOMAS, C. (1985) – “Grottes et algares du Portugal”. Comunicar Ldª., Lisboa.

 

On-line

 

Sistema Nacional de Recursos Hídricos (SNRH).

 

Câmara Municipal da Batalha

 

Share