"Um Algar Improvável" - Parte 1 - Enquadramento superficial

No alinhamento dessa direção e a uma cota inferior (-10m), num dos ressaltos superiores do perfil da ribeira junto à cabeceira do Vale, observa-se um recanto com o fundo elíptico e ligeiramente inclinado para jusante.

 

Nessa zona do leito da ribeira a disposição das camadas (inclinação inversa à da escorrência na linha de água) pode favorecer, em função do clima atual, a sua lenta evolução para uma forma de dolina. A configuração deste local e o seu alinhamento com as Covas da Canada sugere a possibilidade de resultar da evolução (erosão e dissolução) mais rápida do rebordo Oeste de uma antiga dolina num período de clima mais frio e ou mais húmido.

 

Fig. 1.12 - Configuração da cabeceira do Vale da Ribeira da Canada. Alguns aspetos sugerem ter sido uma
antiga dolina praticamente capturada pelo leito da ribeira numa fase de clima mais frio. (Fotos: Fernando Pires)

Esta interpretação é consubstanciada pela evolução aparentemente semelhante da envolvente que a separa da dolina Oeste da Cova da Canada descrita anteriormente.

 

Apesar de estar localizada numa zona marginal deste trabalho a outra Cova da Canada, a Este da estrada alcatroada, merece também uma pequena referência pois apresenta características evolutivas semelhantes embora com um desenvolvimento no sentido inverso desta (ESE). A evolução foi mais rápida ou mais intensa (rebordo conservado mais expressivo), pelo que a primitiva dolina já se encontra aberta no lado Este.

Figura 1.13 - A Cova Oeste apresenta um rebordo mais elevado e de maior inclinação com exceção
da parte sudeste. Nesta zona não apresenta rebordo e o fundo prolonga-se nessa direção
passando a constituir o talvegue de um pequeno vale progressivamente mais fundo na direção ESE .

Próximo da entrada do Algar Improvável parece terem existido algumas pequenas dolinas (2 ou 3) cujos fundos aplanados foram sujeitos a alterações antrópicas. Hoje um amplo chouso (cerca de 50 por 32m) circunda essas formas primitivas. Aparentemente foram ligadas e a área cultivável prolongada para sul com o suporte final de uma pequena parede artificial desse lado. Observa-se um ligeiro afundamento da terra rossa na área NE deste chouso. A maior sala do Algar Improvável (Arena -147 a -155m) bem como os dois maiores poços verticais (32 e 27 m) desenvolvem-se em profundidade sob esta parte do terreno agrícola.

Fig. 1.14 - O amplo chouso nas imediações do Algar Improvável (30 metros a sul).

(Foto: Fernando Pires).

Numa zona menos declivosa da vertente meridional do Vale da Canada (terço superior para N), e num local atravessado por uma das falhas de desligamento, foi-se desenvolvendo um pequeno entalhe no plano da vertente criando uma ligeira concavidade. A pequena inclinação dos estratos para Sul potenciaram a formação de uma pequena aplanação primitiva que foi alargada e rodeada por um chouso. A intervenção humana alterou este local para utilização agrícola com o aporte de mais terra rossa e uma ligeira elevação do bordo mais abatido. A sua forma circular dá-lhe um aspeto de dolina mas camuflou o seu aspeto primitivo.

Fig. 1.15 - Forma circular de terra rossa com chão ligeiramente inclinado em plena vertente. É a mais
característica de entre as várias que se podem observar ao longo desta vertente. (Foto: Fernando Pires)

No topo da Costa da Feteira pode destacar-se uma grande dolina em concha evoluída a partir de uma forma assimétrica de motivação estrutural. Observa-se intervenção humana bem como um afundamento progressivo no seu bordo Oeste com inclinação do fundo da dolina para esse lado.

Fig. 1.16 - Dolina circular com fundo de terra rossa inclinado para W.
As camadas têm uma ligeira inclinação para SW. (Foto: Fernando Pires).

Na zona superior do Vale da Canada e próximo da sua cabeceira as vertentes são menos abruptas e apresentam ao longo do seu desenvolvimento patamares mais ou menos alongados e com declives suaves. São quase sempre limitados por pequenas escarpas rochosas alongadas. Na vertente sul os patamares têm menor expressão, mas na vertente norte a dimensão já é significativa. A falha da Canada, paralela à linha de água e no topo da vertente norte poderá ter sido determinante nesta evolução. No entanto, o principal fator a influenciar e potenciar esta evolução da vertente norte é a sua litologia: Calcários de Chão das Pias. Na vertente sul e zona da linha de água afloram as Margas e Calcários margosos do Zambujal.

Fig. 1.17 - Aspeto geral da zona próxima da cabeceira do Vale da Canada. Na vertente sul poderá ter existido
uma possível antiga dolina capturada pela cabeceira do vale (A), um patamar inclinado e alongado na envolvente
do palheiro e delimitado pelas pequenas escarpas (B) e um patamar inferior (mais expressivo) limitado por ravinamento
com marcada inclinação já próximo da linha de água (C).

 

Fig. 1.18 - Na vertente norte, já próximo da cabeceira do vale observa-se uma sucessão de zonas
com menor inclinação ao longo da vertente e um amplo patamar, mais abaixo, bastante largo e alongado.

 

Esta descrição mais alargada das formas superficiais enquadra-se na nossa interpretação da evolução paleoclimática da zona sendo uma das suas bases de apoio.

BIBLIOGRAFIA

CRISPIM J. A. (2012) - Referência em publicação da SPE: O Algar do Ladoeiro, a norte de Telhados Grandes.

RODRIGUES M. L. E. (1991) - Depósitos e evolução quaternária das vertentes das depressões de Minde e de Alvados. Finisterra, XXVI, 51, Lisboa.

 

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