Enquadramento do Buraco Roto - Parte 3 de 4

A idade não perdoa ---- ou ---- Antes quero partir que dobrar

3 – Enquadramento tectónico

 

3.1 Introdução

 

É relevante a importância da tectónica no bordo ocidental do Planalto de S. Mamede nomeadamente ao longo do seu contacto com a depressão de Alqueidão (Falha de Reguengo do Fetal).

Esta zona localiza-se no Setor Central da Bacia Lusitânica (BL) em cuja evolução ocorreram vários episódios tectónicos distensivos desde o Triásico Superior ao final do Cretácico (Aptiano superior) e, a partir do Cretácico superior, essa evolução passou a margem passiva.

 

Os episódios de rifting na BL enquadram-se no intervalo correspondente ao período distensivo e, de uma forma genérica, considera-se um primeiro episódio principal (alguns autores subdividem em dois) desde o Triásico ao Jurássico superior, outro durante o Jurássico superior e o último episódio de rifting durante o Cretácico inferior até ao momento da oceanização no Aptiano (KULLBERG e MACHADO - 2006).

A Falha de Reguengo do Fetal de orientação NNE-SSW terá funcionado como falha normal, com abatimento do bloco oeste, durante o período distensivo mesozoico. Durante este período o bloco a teto ou seja o Planalto de S. Mamede sofreu uma estruturação em roll over (anticlinal amplo orientado segundo NW-SE) resultante da atividade, a sul, do sistema de falhas escalonadas de Alvados e Minde (NW-SE).

 

A Falha de Reguengo do Fetal, enraizada no soco, desempenhou um aparente papel como fronteira às movimentações halocinéticas iniciadas no Jurássico Médio e que se prolongaram até ao Pliocénico, preservando dos efeitos resultantes das compressões a elas associados os depósitos mais profundos de idade hetangiana, com 2100m de espessura (soco a 3391,59m) e os suprajacentes do Planalto de S. Mamede.

No entanto a sua estruturação tectónica evidencia quer as ações do período distensivo mesozoico quer do regime compressivo pós Cretácico.

Segundo CARVALHO (2013) o episódio de diaclasamento mais antigo corresponde à instalação por todo o MCE, nos afloramentos do Jurássico médio, de uma família de veios de calcite pouco persistentes e orientados segundo NNE- SSW pois estes estão cortados por todas as restantes fraturas.

 

MANUPELLA et al. (2000) pág. 103 refere:” No caso concreto da Falha de Reguengo do Fetal, o facto de o Cretácico inferior assentar diferencialmente sobre diferentes unidades litostratigráficas do Jurássico superior, a teto desta falha, sugere a existência de uma estruturação tectónica anterior à deposição do Cretácico inferior, ou seja, atividade da Falha Reguengo do Fetal durante o Jurássico superior.

Apresentamos de seguida uma síntese desta evolução tectónica no Cenozoico em Portugal continental recolhida em CUNHA et al, (2009).

 

Durante o Cenozóico toda a Península Ibérica esteve sob intensa deformação compressiva. A uma primeira deformação, de compressão máxima, com orientação N-S seguiu-se, desde o Miocénico final uma rotação para NW-SE. Em Portugal é evidente a existência de um episódio compressivo importante associado ao auge da compressão bética a meados do Tortoriano (há cerca de 9,5 Ma). No Plistocénico a continuação do soerguimento tectónico regional e os períodos de baixo nível do mar foram determinantes no progressivo encaixe da rede hidrográfica e no desenvolvimento de capturas fluviais.

3.2 – Síntese da fracturação

Têm sido realizados, nos últimos anos, importantes trabalhos sobre a fracturação no MCE nomeadamente a Tese de Doutoramento de Jorge M. F. Carvalho (2013). A sistematização dos dados foi baseada num cuidadoso trabalho de campo que inclui duas estações de amostragem na zona deste nosso trabalho (nºs. 20 e 21). Em cada uma delas foram feitas várias scanlines bem como uma síntese do diaclasamento local. O detalhe na sistematização dos dados é bastante abrangente pelo que foi, naturalmente, a referência por nós escolhida.

 

Figura Nº 3.1 – Adaptação do mapa dos locais estudados por CARVALHO (2013) referente ao Concelho da Batalha e alguns concelhos limítrofes.

 

A compilação, normalização e sistematização de dados (anexo 6 - CARVALHO 2013) permitiu ao autor elaborar para cada estação um diagrama de rosa onde estes são evidenciados graficamente, caracterizando a fracturação nessa zona, e permitindo observar as variações em relação a estações próximas.

 

Figura Nº 3.2 – Adaptação do mapa dos locais estudados por CARVALHO (2013) referente ao Concelho da Batalha

e alguns concelhos limítrofes apresentando em cada um o diagrama de rosa correspondente.

 

Para o Planalto de S. Mamede este autor apresenta ainda uma compilação por tipo de indicador tectónico (diáclases, veios calcíticos, planos estilolíticos e diáclases reativadas) também agrupados, cada um deles, no respetivo diagrama de rosa.

 

Figura Nº 3.3 – Fracturação no Planalto de S. Mamede discriminada quanto à sua natureza

(a roseta correspondenteao total dos dados não inclui os estilólitos (CARVALHO 2013).

 

Na discussão da análise setorial este autor apresenta os padrões de diaclasamento de cada domínio em função da natureza das diáclases presentes.

 

Figura Nº 3.4 – Adaptado do Mapa dos domínios de igual padrão de diaclasamento no MCE (CARVALHO 2013)

3.3 – Evolução Morfoestrutural local

 

A escarpa de falha de Reguengo do Fetal apresenta em alguns locais, ao longo da sua extensão zonas onde se pode observar o espelho de falha relativamente bem preservado. Em alguns pontos são identificáveis as estrias indicadoras da direção do movimento. Está exposto nas imediações da povoação que dá o nome à falha, parece estar presente nos ressaltos na base da cascata do Buraco Roto e observa-se na vertente ocidental do Cabeço do Poio. As cotas são inferiores ou até próximo dos 250 metros.

 

Mesmo correndo o risco de nos repetirmos nesta referência evolutiva cremos ser importante referir, neste ponto, talvez a sua mais antiga, extensa e expressiva descrição feita por MARTINS (1949) pág. 105: “A escarpa começa a ter importância no relevo um pouco a norte de Alcaria – e já aí com os seus 464 metros está a cavaleiro dos 419 metros da Pragosa, um dos cumes do anticlinal de Alqueidão -;depois, sempre sobranceira a essa dobra (fig. 16), ganha cada vez maior altura a partir da Carreirancha para o norte e na região do Reguengo ergue-se alterosa (fig. 20); mas não tarda que se atenue pouco a pouco, até desvanecer-se inteiramente além da Senhora do Monte, capelinha alcandorada no último tramo a 297 metros”.

 

Figura Nº 3.5 – Corte geológico junto à povoação do Reguengo do Fetal (MARTINS, 1949).

 

E mais adiante, pag.107: ” Se ponderarmos o significado de alguns valeiros secos suspensos (fig. 21), pelos quais se insinuam gargantas de ligação, hoje igualmente secas, nada esclarecemos visto que tanto a deslocação original como um ressoar da falha os poderia ter suspendido; e seja dito que, na sequência de um abaixamento do nível de base ou de um levantamento em bloco da região, e sem mesmo ter havido prévio nivelamento, o desgaste acelerado de materiais brandos situados ao longo da falha no compartimento abatido tenderia a deixar suspensos os vales rasgados na rocha dura. É certo que, em alguns desses valeiros, descortinamos ressaltos que naturalmente correspondem a níveis de erosão – mas a sua interpretação não oferece segurança porque tanto podem ser do jogo da falha como testemunhos da erosão cíclica”.

 

“ Suficientemente esclarecedora é a secção da escarpa que fica a norte da Carreirancha: aí não temos dúvidas de que nos encontramos diante de uma falha exumada, que mantém o sentido do desnivelamento primitivo. Como garantes seguros desta interpretação podem-se apontar as manchas belasianas do Reguengo (fig.20), da Torrinha e da Torre, que nada mais são do que os restos de uma formação detrítica que foi desmantelada por uma recidiva de erosão; e, como acontecia que o Belasiano estivesse em contacto anormal com os calcários duros do Dogger, o plano de falha foi exumado, evolução que mais não representa do que uma simples adaptação à estrutura. Para o sul do Reguengo as formações calco-argilosas do Kimeridgiano em continuidade tectónica com as rochas batonianas tiveram o comportamento de material brando e proporcionaram também a exumação”. RAPOSO, 1981 faz a mesma  descrição e acrescenta:” A escarpa que se pode observar é resultado tanto do primitivo acidente tectónico como da posterior erosão sub-aérea”. Há ainda aspetos antrópicos que potenciam a exumação. Aquando da abertura do desvio descendente da estrada alcatroada que contorna a povoação do Reguengo do Fetal pelo lado Este parece ter havido um deslizamento na formação cretácica com volume considerável.

 

A evolução morfoestrutural local está relacionada fundamentalmente com a existência da Falha de Reguengo do Fetal. Sendo este um aspeto muito importante para a interpretação da evolução das cavidades subterrâneas na zona é notória a necessidade de se obter uma sequenciação com a respetiva cronologia dos eventos de deformação local deste acidente tectónico bem como dos paleocampos de tensão envolvidos. Não sendo este um dos propósitos deste trabalho procuraremos apenas reportar os aspetos da geometria dos principais deslocamentos observados de acordo com a anatomia de uma zona de falha (Vialon, Ruhland e Grolier, 1976) e através da bibliografia e das observações de campo, à superfície e subterrâneas. Referiremos apenas algumas identificações pontuais já que os elementos estatísticos recolhidos em CARVALHO (2013) são completamente esclarecedores. O que nos é dado constatar aqui é uma realidade geológica com um conjunto de estruturas que representa o momento atual de um complexo processo evolutivo na escala do tempo geológico e que se prolongará para o futuro. Assim reportam-se de imediato alguns dos dados já recolhidos.

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